João Ciaco: “o marketing tem se transformado muito e enfrentado grandes desafios nos últimos anos. Alguns falam até no fim do marketing ou no início de uma outra atividade nas empresas”

Formado em Administração com doutorado em Comunicação e Semiótica, João Batista Simon Ciaco é um dos mais aclamados executivos de comunicação e marketing do País neste século. Com trabalhos memoráveis, sobretudo na Fiat Brasil, Ciaco elevou temas relacionados ao marketing a um âmbito muito mais elevado e estratégico.

Tanto reconhecimento, permitiu a Ciaco ser presidente do júri e jurado de grandes prêmios internacionais de publicidade e presidente da ABA – Associação Brasileira de Anunciantes por dois anos. Hoje consultor, respondeu às nossas cinco perguntas desta semana. Confira!

Abramark –
 Depois de muitos anos de sucesso em empresas como Unilever, Kodak e Grupo FCA, você tem trabalhado como consultor. Pode contar para nós como tem sido essa nova etapa da carreira? Se puder, fale sobre os desafios encontrados, por favor.

JC – Minha vida executiva felizmente me permitiu desenvolver competências muito diversificadas. Eu fui da primeira turma de trainees da Unilever que começou pela área de vendas, já que marketing era a área esperada, participei de projetos internacionais ao mesmo tempo que de projetos de micro distribuição no interior do Ceará, morei em muitos lugares, abri novos negócios, como a comercialização de fotografia em lojas de varejo de massa, já na Kodak. Fiz parte de projetos muito inovadores desde o início da internet comercial, mas também operei em mercados bastante conservadores, como o do automóvel. Além disso, vivi inúmeras fusões de empresas e de marcas, trabalhando em times híbridos. Isto me permitiu desenvolver duas habilidades importantes: a capacidade de rápida adaptação em ambientes difíceis e instáveis e a visão mais ampla do negócio para além do marketing e do branding.

Assim, nesta minha nova fase, estou conseguindo contribuir bastante com as empresas que estamos trabalhando exatamente por essas habilidades, já que estou desenvolvendo projetos para grandes marcas, mas também para pequenos negócios e startups em fase inicial de negócio. Tenho também trabalhado bastante com o terceiro setor, ajudando ONGs e projetos sociais a se estruturarem melhor e mais ajustados às necessidades dos seus stakeholders.

Sem dúvida, depois de mais de 25 anos trabalhando como executivo de multinacionais, a mudança para o outro lado não é um processo simples. Mas os desafios trazem ainda mais motivação e alegrias.

Abramark – Você liderou por muitos anos o marketing na América Latina de uma das mais importantes montadoras de veículos do mundo. Como enxerga o negócio do carro migrando da posse para o uso e o fato das gerações mais novas demonstrarem aparente desinteresse na aquisição de veículos?

JC – A indústria automotiva é bastante conservadora. Afinal, ela se organiza da mesma maneira há mais de um século. O jeito de produzir carro e de comercializá-lo não mudou muito ao longo desses anos todos. Mais do que isso, é uma indústria com pouquíssima flexibilidade e condicionada ao ritmo da linha de produção, além de haver pouca diferenciação entre os produtos do mesmo segmento (e suas produções) dentre as marcas automotivas.

A nova ordem de organização do mundo pós-digital tem obrigado a indústria automobilística a se ajustar à demanda por mais alternativas: mais formas de se produzir, outras fontes de propulsão que estabeleçam uma matriz energética mais ampla para o carro, novas maneiras de adquirir o produto (ou o serviço), processos outros de utilização e consumo do automóvel e alternativas sustentáveis para a descartabilidade pós-consumo. As marcas que conseguirem se ajustar mais rapidamente às dinâmicas do sistema terão muito mais chances de continuidade. Não é por acaso que vemos tantas fusões de marcas e empresas automobilísticas nestes últimos anos, fruto da incapacidade de adaptação individual e isolada neste processo.

Por outro lado, o carro, especialmente na América Latina, sempre foi um objeto de desejo. Com as mudanças sociais, a melhoria do transporte público, o desenvolvimento de novas alternativas de locomoção, o aumento da preocupação com o meio ambiente e as novas formas de utilização do carro como serviço (com os aplicativos de transporte), dentre outras, reduziram muito a relevância e mesmo o desejo pelo automóvel. Assim, recolocar o carro na agenda aspiracional é um grande desafio para as montadoras, ainda mais se considerarmos que os investimentos em marca – especialmente no Brasil – têm sofrido redução drástica nos últimos anos frente às necessidades comerciais de curto e curtíssimo prazo.

Abramark – Como acha que será o cenário econômico e de negócios nos próximos um ou dois anos, independente do vencedor das eleições para o Governo Federal? Como será possível criar um ambiente mais favorável a novos negócios?

JC – Não há dúvidas que o cenário será muito difícil e desafiador. O mundo pós-pandemia vive uma instabilidade social, econômica e política, situação que agrava ainda mais o já conturbado e polarizado cenário brasileiro.

A meu ver, um ambiente favorável de negócio só acontece se houver confiança no presente e futuro. E, para isso, retomar a confiança nas instituições é essencial para o desenho de um cenário mínimo de enfrentamento da crise e dos desafios econômicos e sociais.

Como profissional de marketing que construiu e reconstruiu tantas marcas, não posso esquecer que a “marca Brasil” precisa ser reorganizada tanto interna quanto externamente. E nós, da área, sabemos que, para uma reconstrução de marca, precisamos falar de valores e de propósitos fortes, verdadeiros e compartilhados por todos, pois só assim serão capazes de mobilizar todos os stakeholders.

Abramark – Você sempre foi reconhecido pela busca da inovação na comunicação em prol de mais e melhores resultados para o negócio. Como avalia o crescimento do metaverso e de experiências mais imersivas para o usuário no ambiente digital? Acha que será capaz de dar resultados em médio prazo?  

JC – Se tínhamos alguma dúvida do potencial das experiências digitais, a pandemia nos mostrou que podemos viver e trabalhar muito eficientemente pelas conexões online. Além disso, a pandemia fez com que as soluções digitais chegassem a uma ampla gama da população, que pôde experimentar pela primeira vez a compra online, os grupos virtuais, as reuniões a distância e tantas outras atividades que já se tornaram corriqueiras atualmente. Até as indústrias que não tinham desenvolvido boas soluções digitais – como a automobilística, por exemplo, que enfrentou enormes dificuldades de vendas nos meses iniciais da pandemia – tiveram que se ajustar rapidamente.

O metaverso, em especial, me parece ser uma alternativa bastante consistente. As redes sociais já possibilitam, nos ambientes digitais, uma reapresentação social das pessoas, já que podemos criar vidas paralelas, felizes, coloridas e cheia de simulacros. Mas essas vidas ou identidades digitais não conseguem se desconectar da vida real das pessoas; o vínculo com a pessoa real necessariamente vai existir – a não ser que estejamos falando de perfis falsos e que não vêm ao caso nesta comparação.

O metaverso não. Ele permite que as pessoas realmente construam uma nova identidade social (ou várias) e que não guarde ligação estreita com a identidade real, social, vivida. Não é mais um simulacro da identidade real, mas efetivamente uma nova identidade digital. E isto pode abrir caminhos enormes para novas experiências das pessoas e das marcas. Claro que a monetização ainda precisa ser estruturada e adequadamente desenvolvida, mas vários negócios hoje já se realizam no metaverso.

É claro que estamos apenas no início do seu desenvolvimento. A apresentação da controversa solução do Facebook (Meta) há alguns dias mostra que ainda temos um longo caminho para viabilizar experiências relevantes na nova tecnologia.

Abramark – Que conselhos ou dicas deixa para os estudantes e novos profissionais de marketing e comunicação que desejam prosperar e crescer no mercado?

JC – O marketing tem se transformado muito e enfrentado grandes desafios nos últimos anos. Alguns falam até no fim do marketing ou no início de uma outra atividade nas empresas (estou até escrevendo um livro sobre isto para o próximo ano). De fato, o capitalismo de shareholders voltado exaustivamente ao curtíssimo prazo no qual vivemos ultimamente, tem tornado o trabalho de construção de marca, de branding, de comunicação e de sustentabilidade no longo prazo desafios menos relevantes para as organizações. E isto impacta diretamente a relevância da área de marketing dentro das estruturas de decisão das empresas.

Mas uma coisa não muda: a necessidade de uma compreensão profunda daqueles com os quais as marcas, produtos e serviços precisam estabelecer relações fortes e duradouras. Assim, sugiro que os novos profissionais de marketing se voltem a desenvolver competências que permitam essa compreensão cada vez maior das interações que as marcas organizam.

Certamente isto depende do pleno domínio das ferramentas de marketing, mas é fundamental levantar a cabeça para outras disciplinas que nos ajudem a compreender as pessoas, como a sociologia, a psicologia, a semiótica, a antropologia e a filosofia.

O livre pensar e conhecimento do outro nunca vão deixar de ser relevantes na nossa profissão.

João Ciaco mostra toda sua trajetória e reflete sobre o futuro do marketing. Assista!

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