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“A dúvida te obriga a criar. Enquanto as pessoas tiverem muita certeza, ninguém estará criando”, defende Adriano Franchini

Artista visual usa da Cosmogonia enquanto base para celebrar e valorizar a dúvida na era da pós-verdade

 

Por Patrícia Mamede

O que desencadeou o Big Bang? Qual foi a primeira partícula que deu início ao universo? Como poderia existir uma primeira partícula? Ela seria a própria causa de seu nascimento? Afinal, o ovo veio então antes da galinha? Essas são perguntas que afligem e divertem muitos pesquisadores e, a fim de respondê-las, diversas disciplinas se propõe a tentar alcançar a verdade mais misteriosa de todas: qual é a origem do universo?

A Cosmogonia é uma dessas disciplinas que se dedica ao estudo e conjunto de teorias que buscam explicar a origem e a formação do universo. No entanto, o caminho para a resposta depende da disciplina que se utiliza de base para responder a pergunta, podendo partir de princípio filosófico, científico, religioso e tantos outros. Mas, além de buscar uma origem, a Cosmogonia é o que deu origem ao trabalho de Adriano Franchini, artista plástico, formado em arquitetura e urbanismo, e que descobriu só aos 22 anos ter sido adotado.

A revelação da adoção veio através de uma discussão que começou com sua mãe (adotiva) e sua irmã que, ao folhear antigos álbuns de fotografia, percebeu uma ausência – uma ausência de ordem originária. “Ela começou a se perguntar por que nos álbuns de fotografia das amigas tinha a mãe barriguda e nos nossos álbuns não tinha. Nossos álbuns já começavam com a gente nascidos. E então a minha irmã colocou a minha mãe na parede e falou, ‘e aí?’”. 

A mãe finalmente contou à filha sobre a adoção dela e de seu irmão, Adriano. Ao ouvir a conversa no cômodo ao lado, Adriano foi interrogá-las sobre o motivo da discussão e, assim, em uma terça-feira qualquer, na noite anterior de apresentar seu projeto de conclusão de curso na faculdade, Adriano descobriu que havia sido adotado. A partir deste dia, o artista começou a reunir memórias e, feito um quebra-cabeça, passou a juntar as peças na tentativa de compreender a sua própria história e qual seria a sua origem.

A pesquisa de Adriano, debruçada na Cosmogonia, se alongou desde o episódio do descobrimento da adoção, “eu imagino que esse achado é o que vai estruturar esse meu assunto por muito tempo”. Mas a descoberta, apesar de difícil, se tornou um motivo de celebração para ele, “eu encontrei uma fonte inesgotável de dúvidas, no final das contas”. 

Adriano não teve a oportunidade de conhecer sua família biológica e, portanto, até hoje a sua origem é um mistério na sua vida, mas faz de seu desconhecimento um combustível para impulsionar a sua criação. Hoje, o artista reconhece que o ato de criar é uma necessidade capaz de materializar suas inquietações e dar um destino ao que poderia ser um sentimento de pura angústia, “é um processo de elaboração. Me descansa trabalhar com arte”.

Franchini enxerga a maioria das criações humanas enquanto uma tentativa de ampliar as capacidades físicas, ou seja, o próprio corpo, para alcançar algum desejo ou vontades escondidas na mente. Seja um lápis ou um avião, o artista percebe essas criações enquanto extensões que ampliam o potencial do corpo humano, “eu estou aqui comendo um pão de queijo com as mãos, mas eu poderia estar comendo com um garfo e uma faca que substituem e prolongam o meu corpo de maneira que ele alcance a habilidade de, por exemplo, cortar o alimento”, elabora. E, para ele, o fazer artístico é também uma forma de expansão corporal, “também fazemos isso com recursos que não são da ordem do material, mas de ordem psíquica”, como é o caso da arte. Os pincéis, lápis e demais materiais são, nesse sentido, ferramentas que se utilizam a fim de criar uma imagem como uma tentativa de materializar ou projetar uma ideia para fora da mente, do corpo.

Mas, para o artista, o ato criativo acontece para além da materialização de uma ideia. Ao atribuir grande importância e fascínio aos mistérios psíquicos, pode-se dizer que Adriano é um artista no sentido mais puro da palavra pois, para ele, criar é, também, um trabalho de lapidação mental e, portanto, a mente e principalmente a memória são seus principais objetos de estudo. “Olhar para trás é um exercício de criação porque, independente, se a gente conhece ou não a nossa história, à medida que olhamos para trás e revistamos memórias, a gente também está sempre editando elas a partir da nossa perspectiva atual”. Diante disso, Adriano reconhece a própria vida enquanto um ato criativo, “estamos criando a nós mesmos o tempo inteiro.”

 

“Olhar para trás não é, nunca, apenas registrar memórias. É criá-las.”

Além de artista visual, é formado em arquitetura e urbanismo, mas hoje trabalha exclusivamente com arte, produzindo e ensinando. Tem um grupo de acompanhamento de artistas chamado Trem, no qual dá orientações para outros profissionais.

Apesar de não trabalhar arquitetando projetos urbanos, é perceptível em seus trabalhos notar referências de seus estudos da arquitetura. A filosofia que inspira a pesquisa e norteia a maioria de seus trabalhos vem de um pensamento conhecido como “o primeiro motor”, de Aristóteles. O conceito cunhado pelo filósofo consiste na ideia de uma primeira causa do universo, um primeiro ato puro e imóvel que impulsionou todos os outros, “em uma corrente de causas e consequências você chegará, supostamente, à origem do mundo, que é a origem de tudo”, explica. 

Partindo desse pressuposto, os trabalhos do artista seriam a manifestação da ideia de Aristóteles em imagens, “na minha cabeça, essa corrente [de causa e consequência] forma uma imagem. Então meu trabalho se dedica a pegar uma imagem, olhar o que poderia ter causado essa imagem e investigar a causa dela através da estrutura da própria imagem. Talvez nos pixels, talvez no átomo”. Assim, sua proposta consiste em dar infinitos zoom em algo, na tentativa de identificar “a causa que a causou”.

 

“É curioso pensar que, dentro de uma imagem, existem infinitas imagens. Ou seja, qual é o limite da imagem?”

A partir deste questionamento, Adriano reconhece que o alcance de uma origem absoluta, ou da primeira causa, talvez seja impossível de ser acessado, e é justamente aí, nessa impossibilidade, que mora o fascínio e o desejo do artista por seu objeto de pesquisa, que nada mais é do que uma paixão pela dúvida.

 

“O importante é manter as dúvidas. No final, a minha pesquisa se defronta com a certeza da dúvida.”

Através do exercício artístico e criativo, e bebendo da filosofia, Franchini investiga a origem de sua própria história. Mas sua busca se reflete e se amplia para uma investigação sobre os mistérios do mundo e da mente humana. “É dolorido você flagrar que você imaginava conhecer a sua história e você passa a não conhecê-la mais”, conta. No entanto, o artista usa dessa aflição para criar, “isso também traz uma coisa que é zero dolorosa e muito divertida que é, uma vez que isso se torna uma condição [não saber a própria origem] tenho a opção de pensar ‘o fazer diante disso?’ E o que mais me interessa é usar isso para criar”.

 

“Tentar materializar dúvidas, questões, essas coisas de ordem psíquica, é muito importante para mim. É estruturante.”

Para Adriano, as dúvidas são pistas que indicam a possibilidade da existência de uma verdade, “na dúvida você está considerando a possibilidade real de ter algum contorno sobre aquilo que te deixa em dúvida”. Com isso em vista, Franchini acredita que um dos papéis de um artista está em elaborar boas questões. 

Diante de uma realidade cada vez mais dividida por bolhas sociais que carregam certezas absolutas e em uma era de pós-verdade, a provocação que o trabalho de Adriano faz é extremamente necessária. Suas obras, que propõem refletir sobre a origem das coisas — seja uma informação, uma história pessoal, uma notícia, um movimento social ou qualquer outra coisa — são um convite ao conhecimento, ao saber e, consequentemente, uma humildade frente a ignorância.

Uma vez que as origens não podem ser alcançadas, resta a maravilha da busca eterna, a vontade de chegar cada vez mais perto da verdade. A dúvida, por assim dizer, se manifesta enquanto um movimento, uma ação curiosa de querer passar a conhecer. “É importante a gente estar em dúvida. Será que estamos no melhor sistema econômico? Político? A maneira como a gente vive a política na nossa vida está alinhada com aquilo que acreditamos? O mundo e a minha interpretação dele estão acordados com os meus desejos? O que eu quero para o futuro do mundo? Eu, enquanto um ser social, gostaria de viver em uma sociedade que estivesse como?”.

 

“A dúvida te obriga a criar. Enquanto as pessoas tiverem muita certeza, ninguém estará criando.”

Para encerrar, o artista diz que a melhor referência para ir em busca de uma verdade é olhar para o passado e buscar informações que sejam capazes de explicar as circunstâncias — ou as causas — que mostrem como tais verdades e eventos se concretizam no agora. Em outras palavras, seu trabalho é uma celebração e valorização da dúvida, a fim de buscar a causa para todos os efeitos históricos e sociais para que, a partir do conhecimento do passado, se possa elaborar melhores questionamentos e criar um novo futuro.

Você pode conhecer mais do trabalho de Adriano Franchini clicando aqui. 

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