Bárbara Lopes, estudante de história da arte e muralista, reflete sobre os desafios e o papel da arte na contemporaneidade
Por Patrícia Mamede
Anos atrás, a cantora Nina Simone disse em uma entrevista acreditar que o trabalho de um artista deve consistir em refletir sobre as questões de seu tempo, “the duty of an artist it to reflect the times”. Bárbara Lopes – ou, Babi Lopes – artista visual e muralista, compactua com a mesma visão da cantora norte americana. Antes de se tornar artista, Babi conta que sempre foi muito observadora. A curiosidade e o exercício da observação foram o caminho para que seus questionamentos fizessem encontro com o fazer artístico, “eu chego aqui, neste momento, ainda com muitas dúvidas, muitos questionamentos […], entendendo aonde eu me encaixo, onde eu não me encaixo”.
Foi no começo da pandemia da Covid-19, quando estávamos com as portas fechadas para o mundo, que Lopes mergulhou em seu próprio mundo e pensou, “eu acho que tenho coisas para comunicar aqui e essa é a minha linguagem. Acho que as artes visuais são a minha forma de me comunicar”. Foi nesse período, há mais ou menos cinco anos, que a artista decidiu levar suas inquietações às ruas, “porque era uma necessidade, essa coisa interna de me expressar, mas também de mostrar para as pessoas aquilo que eu estava produzindo”, conta.
Enquanto artista visual, as palavras sempre estão em uma espécie de névoa para Babi e, por isso, tentar expressar seus trabalhos através da linguagem não é tarefa simples. Para ela, tentar alcançar o verbal por meio de suas figuras é um desafio estimulante, algo que lhe permite, assim como os demais admiradores de suas criações, contemplar algo desconhecido, “o meu trabalho está tentando me mostrar coisas também”.
Mas se debruçar sobre a própria arte e se aventurar nas descobertas do trabalho artístico é um luxo, principalmente em um país como o Brasil, onde a arte ainda é sucateada. Lopes diz que, para além de sobreviver produzindo arte, quer viver disso, “conseguir aproveitar, experimentar, eu acho que eu sinto falta disso; de ter a possibilidade de experimentar certas coisas”, divide a artista.
Na busca por novos experimentos, certa vez, no interior de São Paulo, Babi fez um curso de argila, “falei, meu Deus! Quero fazer isso para sempre!”. Mas ao voltar para a grande cidade, as asas de tal desejo lhe foram cortadas pela realidade financeira. Diante dos valores exorbitantes cobrados nas oficinas, parou de fazer.
Apesar de ter crescido em Osasco, vizinha dos grandes centros de comércio de São Paulo, seus avós cresceram na roça, o que lhe permitiu entrar em contato com a terra e as raízes ainda criança. Para a artista, pior que o distanciamento da natureza – consequência da vida urbana – é a apropriação de elementos simples e abundantes, como a terra e a argila, que se tornam produtos inacessíveis e superfaturados pelo mercado.
“Isso é muito comum, as tecnologias ancestrais serem roubadas, serem apropriadas e a gente não conseguir acessá-las minimamente.”
Ainda dentro dessa lógica mercadológica, a artista reflete sobre a exigência e o peso que é ter que estar sempre produzindo, queixando-se da falta de tempo para fazer, também, o inútil e viver as descobertas que decorrem da experimentação. “Parafraseando o que o Gilberto Gil falou, cultura é arroz com feijão, é uma coisa que tem que ser muito fácil de acessar”, lembra.
A alta produtividade dificulta o reconhecimento dos próprios artistas sobre seus trabalhos. Em uma sociedade regida pela lógica de consumo, tudo o que não é produto é entendido como insignificante ou sem valor. Mas, para um artista, cuja principal ferramenta de trabalho são suas ideias – algo a ser estimulado – é preciso valorizar o tempo para a experimentação e entendê-la como parte do processo e um desvio necessário para a concretização.
“O trabalho artístico precisa estar nesse lugar de experimentação também, né, não só de produto final.”
O que interessa Lopes, mais do que a pesquisa e a técnica, é o impacto que sua arte causará nas pessoas e o efeito que isso propõe, “isso que me fascina de produzir na rua; de pintar na rua”, conta. Mas, apesar de realizar trabalhos nas ruas, a artista levanta o questionamento se deveria ou não usar o título de grafiteira quando fala de si, “porque tem muito do que o pessoal do movimento vai dizer sobre o seu trabalho”. No entanto, o título é o que menos lhe preocupa, “eu acho que é importante defender a presença na rua.
Um movimento que tem interessando Babi é o muralismo. Em 2024 ela foi para um festival de muralismo só para mulheres, no Peru, “eu acho que só essa presença de estar na rua, independente do que seja, independente da técnica, […] eu acho que isso, em si, já é revolucionário para uma mulher”.
Assim, a artista procura se apropriar do muralismo e retirá-lo do lugar elitizado no qual foi inserido. Para ela, quando se trata de arte, o que deve ser priorizado são as narrativas, “que a gente possa trazer a subjetividade para a rua também. Que a gente não traga frases prontas, que a gente não traga coisas que, enfim, sejam óbvias, talvez”.
Mesmo seus trabalhos sendo figurativos, ela acredita que o abstrato deve estar nos espaços urbanos também; expressões essas que estimulam o pensar criticamente e desafiam os modos de ver. Inclusive, uma das características fundamentais para a artista é fazer com que suas obras provoquem reflexões variadas, “eu tenho me encantado com isso; com a possibilidade de trazer narrativas diversas que possam ser lidas de formas diferentes”.
“Eu acredito muito no meu trabalho enquanto essa potência de comunicação do sensível.”
Bárbara é estudante de História da Arte na Unifesp e procura sempre aplicar seus conhecimentos no que se propõe a fazer, “estamos em um momento do contemporâneo que a gente traz uma leitura pronta, principalmente com o trabalho de pessoas racializadas”. Nesse sentido, há um empobrecimento na leitura dos observadores diante das obras de determinados grupos, destinando, muitas vezes, suas obras às mesmas narrativas, limitando-os a uma visão que retorna esses grupos para o mesmo lugar que sempre estiveram.
“Eu quero que meu trabalho seja lido de diversas formas […] que te guie para várias coisas, não para quem eu sou, necessariamente. Acho que quem é o artista diz muito, mas eu acho que o trabalho pode guiar para vários caminhos.”
Hoje, diante das muitas horas que passamos na frente das telas, Babi acredita que tem se tornado cada vez mais difícil o exercício da contemplação, “estamos sendo bombardeados de imagens a todo momento, principalmente com as redes sociais, e aí, às vezes, a gente até desaprendeu essa coisa de olhar, de fato, para uma imagem e se demorar nela”.
A artista acredita que a união entre o político e a arte é inevitável e pensa que é uma necessidade o consumo de imagens que trazem outras possibilidades de vida, nutrindo o imaginário com novas perspectivas, “acho que é um passo importante para começarmos a questionar a forma como a gente vive”.
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Imagens: Babi Lopes