Artista conta que o desejo de existir foi o primeiro impulso que o levou até as tintas
Por Patrícia Mamede
Marcelo, Mazola, ou o Garoto Negativo, é artista visual e grafiteiro. Cresceu e viveu na cidade de Embu das Artes desde sempre e, apesar de ocupar muitas paredes na cidade natal, suas obras viajaram para outros países como, por exemplo, a França, onde realizou sua primeira exposição internacional. Com quase setenta mil seguidores no Instagram hoje e digno de um título reconhecido internacionalmente, a história de Mazola começou na invisibilidade.
Marcelo é o nome que se esconde atrás de tantos apelidos. Mazola, como é conhecido, foi um apelido cunhado por seu pai e faz referência a um personagem de uma história em quadrinhos criada por ele, que também é artista e grafiteiro. Mas, aos quatorze anos, o apelido de Marcelo pendia mais para garoto invisível, “não tinha muitos amigos na escola e eu era aqueles moleques invisíveis que só queriam uma chance de mostrar o que o fazia”, conta. Por sorte, sua percepção se mostrou diferente e certos professores notaram sua habilidade enquanto desenhista. Foi quando um desses professores propôs um desafio a Marcelo. Juntos, forraram partes da instituição com papel craft e cartolinas para que Mazola pudesse pintar, ou existir, “pela primeira vez, senti que eu estava fazendo uma coisa legal, mostrando quem eu era para as pessoas. Eu queria que as pessoas vissem que eu existia”.
O artista conta que, como muitas crianças, se sentia amedrontado quando chegava o momento dos professores lhe fazerem a pergunta cruel sobre o que os alunos gostariam seguir como carreira, “eu não tinha perspectiva de nada”. Encontrou depois, no potinho de guache, a nascente de uma perspectiva que nunca lhe havia sido apresentada. Se tornar artista, em um país como o Brasil, é um ato de coragem. Mazola conta que se surpreende com as possibilidades que a vida lhe deu e diz que se sente sortudo por ter se tornado uma pessoa com tamanha autonomia, “minha mãe até brincou esses dias, dizendo que eu tenho metade da sua idade e consegui fazer muito mais coisas que ela”.
Garoto Negativo é um apelido que faz jus à técnica do artista. Seus trabalhos têm traços realistas mas, além disso, ele também é muito conhecido pela inversão de cores, deixando as obras em tom negativo, uma ideia que surgiu despretensiosamente. Certa vez, seu celular deu problema e a tela ficou negativa e, ao apontar o aparelho para uma de suas artes, Mazola pensou que poderia ser algo interessante, “eu quis criar a minha própria realidade. Não é à toa que o apelido ‘Cristalboy’ vem por causa disso, dessa necessidade de ter uma realidade só minha”. Cristalboy é o nome do personagem que Marcelo retrata em seus trabalhos. Um garoto negro que veste uma armadura rígida e futurista. À primeira vista, as cores são ostensivas e radiantes, em tons fortes de branco, azul e cinza. Mas, quando escaneamos a pintura através de um filtro que inverte as cores para o negativo, vemos um trabalho de realismo no positivo.
O artista conta que tentou diversos outros estilos, como por exemplo as letras e o desenho, mas a palavra realismo – ou realidade – o assaltava desde pequeno, “eu não me enquadrei em nenhum estilo”, conta. Mesmo o realismo sendo uma das técnicas que exige mais estudo e paciência, Mazola nunca se interessou por aquilo que parecia mais fácil e teimosia foi uma ferramenta essencial para construir seu nome no mundo da arte, “eu queria fazer as coisas difíceis”.
Em uma de suas exposições na França, Mazola conta que conheceu uma mulher com quem não conseguiu trocar muitas palavras, pois ela misturava três línguas diferentes e nenhuma que ele dominava. Ao final do evento, ele havia vendido poucos quadros, mas um deles quem havia comprado foi essa mulher. Além do dinheiro, a desconhecida fez questão de lhe deixar uma carta. Agora, em palavras que ele poderia traduzir, essa mulher lhe escreveu sobre uma vez ter conhecido um artista que a lembrava muito dele, “esse rapaz, ela contou na carta, era Jean-Michel Basquiat”. Essa foi uma das vezes em que Mazola pôde testemunhar a própria existência.
Mas a arte de Mazola não está trancada nas grandes galerias. As ruas são, também, um lugar de grande importância para o artista; um outro lugar onde crava sua existência e até reconhece beleza na efemeridade pintada nas paredes urbanas, “acho que é assim que [o graffiti] tem que ser feito. Você viu acontecer, aconteceu e acabou. É realmente uma experiência”.
Além das artes visuais, o Garoto Negativo também faz música, “a música tem sido uma forma de eu falar sobre mim, enquanto a tela são só mensagens subliminares”. Para o artista, suas pinturas são como ele gostaria de se sentir; uma espécie de vislumbre. Já a música é a impossibilidade da fuga de si mesmo: denuncia como ele, de fato, sente.
Mazola também trabalhou para grandes marcas e, inclusive, já realizou um trabalho com o hub de inovação artística Dionisio.AG para um projeto com a Jagermeister, personalizando algumas garrafas. E, se você quiser saber mais sobre o trabalho do Garoto Negativo, clique aqui e confira.
*Imagem: crédito – Vitória Brigidio