Crica Monteiro fala sobre como os temas acima se relacionam na sua trajetória enquanto artista e na arte urbana em geral
Por Patrícia Mamede
Crica Monteiro é grafiteira, ilustradora e muralista brasileira. Mas além de ser habilidosa com os pincéis, tem uma mente afiada que está sempre a questionar o mundo, as pessoas e as dinâmicas sociais.
Em meio a uma conversa que estava tendo com sua amiga, Lia Fênix, sobre a relação entre as Big Techs, as plataformas digitais e o impacto que causam na vida de um artista, as duas decidiram que poderia ser uma boa ideia lançar suas impressões e reflexões para o mundo. “A gente ficou super pensativa sobre como usamos nossas plataformas digitais e começamos a falar sobre esse tipo de coisa entre nós duas”. Assim, em março deste ano, lançaram o Bastidores e Baphos, um podcast sobre o que acontece nas coxias da vida artística.
A dificuldade de utilizar as redes sociais como meio de divulgação do próprio trabalho é, segundo Crica, uma dúvida que muitos artistas compartilham. Para ela, o perigo está em reduzir-se a métricas e curtidas e reitera a importância de não pensar apenas nos números, “Você tem uma vida fora da internet. É importante trazer a coisa do analógico [de volta]”. No entanto, esse é um debate difícil, já que, hoje, a internet é o meio mais eficiente para que profissionais sejam notados por marcas, clientes, curadores e consumidores.
As redes facilitam e democratizam a forma como os artistas divulgam seu trabalho, constroem público, interagem com seguidores e vendem suas obras. Ao mesmo tempo, o sucesso digital é constantemente medido por seguidores e curtidas, o que pode se tornar um desafio em relação à qualidade do trabalho. Por isso, é importante que cada profissional trace um propósito claro para o uso das plataformas, a fim de não se prender a tendências ou correr o risco de abrir mão de seus compromissos consigo mesmos.
Apesar disso, Crica reconhece que o artista exclusivamente visceral, aquele que vive apenas de suas próprias criações, é uma raridade e um pensamento romântico que contrasta com a realidade financeira do Brasil. Sua experiência a ensinou que ser artista é, acima de tudo, um trabalho. Antes de a arte se tornar sua principal fonte de renda, Crica trabalhou por anos no mundo corporativo, usando esse dinheiro para bancar o graffiti, até finalmente poder se dedicar ao que realmente queria fazer. “Eu comecei no graffiti por hobby, mas sempre pensei: viver de arte não é para todos. É muito difícil’’.
Nascida e criada em Embu das Artes, a visão gráfica que permeou sua infância era a de que ser artista era um destino de quem estava “ferrado”, “Eu pensava que não poderia ser uma pintora, uma artista plástica. Precisaria ter outras ferramentas. E aí o graffiti foi o pontapé que me levou primeiro ao design. Eu fui para a universidade por causa do graffiti”.
“Eu uso o título de grafiteira porque venho do movimento Hip Hop. Mas não dá para viver só de uma coisa romântica.”
Filha de nordestinos, Crica foi incentivada desde cedo a valorizar a educação, “Eles [seus pais] queriam que eu tivesse acesso à educação, então investiram muito nisso para mim e para os meus irmãos. Sair do Embu das Artes para estudar em São Paulo explodiu minha cabeça, porque ali [na capital] tive acesso ao universo do graffiti e aos artistas que eu via nas revistas e admirava”.
Hoje, seu nome estampa laterais de prédios em São Paulo e, muito em breve, seu nome chegará à França, em uma exposição curada pela galeria A7MA, localizada próxima ao Beco do Batman, na capital. Estes são louros que Crica insiste em dividir com quem ainda tem pouco para sonhar.
“Eu quero colocar o protagonismo nas pessoas pretas. A arte é muito eurocêntrica e elitista, e o graffiti já vem para quebrar esse paradigma.”
Ela lembra de quando pintava na Viela das Lavadeiras, em Embu das Artes, e um rapaz passou várias vezes até que parou e disse, “Meu, eu fazia isso, mas tive que parar de pintar porque a minha família não aceitava. Falava que isso é coisa de vagabundo, que não é trabalho. Daí eu parei’, e começou a chorar”, lembra. “Esse tipo de experiência mostra o quanto a arte pode despertar esperança. Se ela conseguiu, eu também posso”, reconhece Crica, ciente da importância da figura de uma mulher negra no mundo da arte urbana.
Como todo pensamento que procura romper paradigmas, as reações do público nem sempre são capazes de apreciar sua expressão. Já ouviu comentários como “tinha que ser uma mulher negra?” e outros, em forma de agradecimento, “é a gente”.
“Minha provocação é essa: quando vocês vão achar lindo ver uma mulher negra fora do lugar de servidão?”
A artista defende que as pautas sociais precisam ser levadas a sério pelas empresas, “Não vai haver mudança no conforto, nunca. Vai ter que ter desconforto.” Crica valoriza muito as experiências em que foi contratada e escolhida para realizar um trabalho onde as empresas apreciavam suas ideias e posicionamentos, “Eu pensei, pô, que legal, eles abraçaram mesmo a causa”.
Crica finaliza dizendo que é através da arte que se pode dizer o que pensa e defender o que acredita, “Se não posso falar com as minhas palavras, eu posso transformar em arte”.