“A arte me salva todos os dias”, diz Bárbara Goy, a artista de todas as cores

Em entrevista, artista fala sobre como a arte a ajudou a sustentar uma vida atravessada por lutos como, a perda de um filho e a saída de um relacionamento abusivo

Por Patrícia Mamede

Bárbara Goy começou na arte cedo. Sua mãe tinha um buffet infantil e, no espaço, havia um quartinho, onde Bárbara se alojava enquanto a mãe trabalhava. Aos sete anos, começou a fazer decorações de festas. Desde muito pequena, carregava o desejo de ser artista e desenhista para “ser feliz”. Mas, não demorou muito para que a realidade lhe assaltasse nas primeiras esquinas de seu sonho. Apesar de seu deslumbramento pela arte, Bárbara nunca havia pensado em trabalhar com a técnica do graffiti. Seu primeiro contato com a comunidade aconteceu com Bieto -curiosamente, também artista das cores – , quando foi assistir a sua peça Tinta Fresca.

No começo, para Goy, as telas eram suficientes e sua arte se fazia caber ali no pequeno perímetro. Até que, certa vez, em uma das noites de seus lampejos criativos, “as telas ficaram, enfim, pequenas” e, enquanto todos dormiam, Bárbara teve a ideia de ir à rua pintar e verbalizou tal desejo em voz alta para a amiga que estava ao seu lado. Juntas, acharam um muro enorme no fundo de um prédio e fizeram a primeira – de suas muitas marcas – na cidade. Sua primeira pintura no muro veio também com o primeiro enquadro da polícia, “mas as pessoas não gostam disso?”, refutou Goy ao policial. A data era 2007. Quatorze anos depois, Bárbara conta essa história com o carinho de quem a viveu em um passado próximo, narrando com seus olhos vibrantes.

Foi então, desde sua primeira aventura à fora, que Goy se apaixonou pelo graffiti. Tudo prendeu sua atenção, “o espaço, o contato com as pessoas, a liberdade que você tem, a técnica”, mas o tamanho dos muros é o que mais lhe atrai. Do primeiro muro, foi para os trens, o que lhe garantiu a chance de errar e, portanto, aprender, “eu achava que trem ninguém via, então sentia que tudo bem eu ficar errando, errando, errando até acertar”. Conta que o estilo que tem hoje criou há apenas cinco anos, quando reivindicou seu direito às cores.

O graffiti é um movimento, assim como qualquer outro, que impõe suas regras silenciosas. Bárbara conta que uma delas tem a ver com a cor que os grafiteiros utilizam. Geralmente, reconhecemos os artistas dessa cultura através de suas próprias características, sendo uma delas a cor, que lhes registra a própria marca, além dos personagens e letras, “o mundo do graffiti impõe isso, e também as pessoas ao seu redor”. Desde então, decidiu que ninguém iria lhe restringir a liberdade de criar e, assim, embalsamou suas obras com uma variada paleta.

Ao sobreviver a um relacionamento abusivo – onde a limitação das cores podem servir como uma singela metáfora para as demais violências -, Bárbara sobreviveu a perda de um filho ou, como prefere dizer, “devolvi o Bruno para Deus”. Bruno, que era também seu melhor amigo, foi estudar filosofia em Portugal e lá, durante a pandemia da covid-19, certa noite adormeceu e nunca mais acordou. Para ela, os dois primeiros anos após a morte do filho foram cruéis, “mas depois eu entendi que meu filho não era ‘meu’, ele era do mundo. Eu tive o privilégio de poder passar um tempo com ele, mas a vida tinha outros planos para nós dois”. Desta forma, sem ter como expulsá-la, Goy se encaixou na dor e a abrigou em seu corpo, pouco a pouco, com o auxílio da arte. Para suportar tantos lutos, a artista mergulhou nas profundezas da criação, “quando estou pintando não sinto dor. Toda vez que estou pintado, acaba tudo isso; tudo isso nem existe”.

Em uma exposição recente que participou com o apoio da Casa NFT em parceria com o Dionisio Ateliê, a nova loja do hub global de inovação criativa, Dionisio.AG, a artista colaborou com a mostra colocando seu ponto de vista sobre o tema da proposta. A exposição, que aconteceu sob curadoria de atividades e espaço Kura, por Kauê Fuoco, tinha por objetivo tratar do tema “amor”. Com mais de setenta artistas expositores, Bárbara estava lá para desmistificar a ideia do amor romântico, “quando você está dentro de uma relação abusiva, quanto menos você contrariar, quanto menos você falar, quando menos tudo, mais talvez ele te ame. Você tem essa ilusão, eu mesma passei por isso. É nessa hora que você começa a ficar doente”.

As infinitas perdas não acabavam. Bárbara sobreviveu a um câncer de mama. Mas esta é outra história que prefere curar através da criação, “muitas pessoas se afastaram de mim quando eu decidi falar sobre a doença, inclusive clientes que, quando descobriram, abandonaram trabalhos que já tínhamos fechado”. A artista faz parte de uma enorme porcentagem de mulheres que sofrem com o desamparo quando são diagnosticadas com um tumor. Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das mulheres diagnosticadas com câncer têm que lidar com o abandono de seus parceiros durante o tratamento. Apesar de certos afastamentos, o parceiro atual de Goy se manteve ao seu lado e lhe deu suporte, o que levou a artista a repensar sobre o conceito de “amor”.

O trabalho de Goy na exposição do Kura é um convite às mulheres, para que tenham a coragem de viver o amor na realidade e não mais na fantasia, já que esta tem se mostrado perigosa. A artista conta que, quando foi chamada para expor, pensou que deveria mostrar a outra faceta do amor, “esse amor abusivo, que dizem para as mulheres que é amor, está matando mulheres todos os dias. Literalmente. As mulheres têm que acordar e falar, ‘não! Eu sou capaz. Não preciso disso”.

Após oito anos dentro de uma relação abusiva, a artista conta que sair é difícil, mas mais difícil ainda é permanecer. Existe um fantasma que assombra as mulheres com vozes que as fazem acreditar que, sem um relacionamento, elas não seriam capazes de gozar e desfrutar de sua própria vida, “em uma outra relação que tive, cheguei a pensar, ‘nossa, e agora? Como vou me manter?’, mas quando parei para pensar, ouvi o que eu estava dizendo e realizei que eu já me mantinha há muito tempo”.

A história de Bárbara carrega a importância de trazer o que viveu entre quatro paredes para fora, para os muros. Ao decidir falar sobre isso estabelece um compromisso com outras mulheres, além de ser, também, uma maneira de dar voz àquelas que foram sufocadas pelo silêncio. Como sua bisavó, que morreu de câncer porque seu marido não a deixou sair de casa durante trinta anos, “ela morreu sem sentir o Sol na pele”, conta, “mas, hoje, acredito eu, estamos em um caminho melhor que ontem”.

Profissionais da área da saúde, como psicólogos e psiquiatras, defendem que um dos caminhos para frear esse tipo de violência é através da responsabilização dos abusadores. A Não Era Amor, uma rede que ajuda mulheres que estão ou saíram de relacionamentos abusivos através de uma terapia com profissionais especializados, enfatiza sobre a importância do “contato zero” com o abusador e com pessoas que preferem acreditar na narrativa deste. É importante que a mulher que vive esta situação esteja perto de pessoas que acreditem em sua narrativa para lhe garantir sobrevivência psíquica, através da reafirmação de sua sanidade.

Hoje, Goy tomou as cores para si e vive a arte em sua expressão maior: em completa liberdade. Se você quiser saber mais sobre Bárbara, clique aqui e confira o perfil da artista e a acompanhe em suas redes sociais.

Em breve, o Dionisio Ateliê fará um lançamento de novas prints que desenvolveu com a Casa NFT, fotografias tiradas na exposição do Kura. Acompanhe o lançamento através do instagram do Dionisio Ateliê.

Créditos das fotos: Bárbara Goy.

 

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