Diretor Executivo Fundador da ECK Consultoria, Efraim Kapulski é uma das maiores autoridades em marketing de dados do País, com destacada atuação setorial associativa, esteve em todos os lados do balcão no mercado da comunicação, seja como veículo, anunciante, agência e fornecedor.
Com formação em Publicidade e Propaganda na Universidade Anhembi, Pós-Graduação em Administração na FGV e Conselheiro de Administração pelo IBGC, teve papel de destaque nas editoras Abril e Globo, em seus anos de ouro, além da Mauricio de Sousa Produções, entre outras empresas de renome.
Efraim é muito inquieto e atento, absolutamente detalhista e cuidadoso. Desempenhou papel de destaque aglutinando forças e interesses de diferentes associações e classes na direção de causas do mercado no Brasil e exterior, construindo pontes e valorizando ainda mais o marketing brasileiro.
Confira as respostas de Efraim Kapulski, nosso convidado dessa semana!
Abramark – No turbilhão de mudanças e novidades que temos vivido, o marketing de dados tem sido um dos protagonistas. Nesse contexto, como você avalia o marketing de dados brasileiro de maneira geral?
EK – A internet, dentro de uma dimensão histórica, ainda vive seu início. A enorme revolução que ela promove está em curso. Nos últimos anos, desde a criação do Google, do e-mail marketing, marketplace, social commerce, o mercado passou a contar com ferramentas de qualidade sequer imaginadas antes do ingresso na era digital. Tudo isso foi inédito. Estas inovações podem ser consideradas mais ricas e valiosas do que todo o passado da comunicação e do marketing.
Ao mesmo tempo, vivemos uma febre de novas empresas; muitas delas abrem e em seguida fecham. Sem dúvida um desperdício de esforço. Essa breve existência não ocorre por falta de ferramentas, mas em boa parte dos casos pela inabilidade em utilizar adequadamente o ferramental disponível. Só vence quem for capaz de utilizar melhor o que já existe. O recado importante é saber utilizar as ferramentas que existem, mais do que criar uma nova. E direcionar os esforços para criar ferramentas que atendam às necessidades não supridas pela tecnologia já existente.
O mercado brasileiro é muito aberto e vanguardista com relação ao marketing digital, que está totalmente ligado ao marketing de dados. Em relação à América Latina, o Brasil está de longe na frente no uso de ferramentas de marketing, mesmo se comparado aos maiores mercados regionais, como Argentina, México e Colômbia e, na Europa, como em Portugal e Itália, onde a adoção digital está muito lenta. Isso também pode ser observado em relação a vários outros e países de outras regiões do mundo.
Temos startups muito bem-sucedidas que trabalham com marketing e que estão muito avançadas. A vantagem é a quantidade de novas formas de venda do e-commerce 100% atreladas ao marketing de dados.
Numa visão retrospectiva, Google, integração com o Facebook, e-mail marketing, venda via Facebook e TikTok. Todos são marketing de dados. E não apenas o e-commerce, mas toda a geração de leads no marketing está atrelada ao marketing de dados.
Por conta da pandemia, as indústrias e outros setores tiveram que acelerar o seu entendimento do cliente para trazer ofertas mais alinhadas com as expectativas. Houve um grande avanço do marketing digital graças à utilização de dados. Mas apesar de toda evolução do marketing de dados brasileiro, ainda se faz muito menos do que se poderia em relação ao potencial existente.
De forma geral, somente as grandes organizações são bem estruturadas, enquanto a grande maioria das empresas utiliza o básico das plataformas digitais e aproveita pouco a infinidade de dados de sua propriedade disponíveis, mas em geral desprezados, como first-party data, que são informações geradas dentro de casa pelos seus consumidores a partir de seus próprios canais de venda, pesquisas, promoções, sites, blogs, call center, páginas nas redes sociais, WhatsApp, vídeos e localização (GPS). E esse potencial de dados ficará ainda maior com a consolidação do 5G, que vai impactar diretamente as soluções de IoT (internet das coisas), permitindo, por exemplo, o acesso às informações de dentro dos domicílios, como consumo de produtos da geladeira e de outros equipamentos conectados.
Abramark – Como um dos maiores especialistas e líderes setoriais no desenvolvimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de que forma enxerga a implementação da legislação, bem como suas consequências nas empresas de diferentes portes nos dias de hoje? Muitos negócios ainda parecem inseguros.
EK – Vejo a implementação da LGPD com muito otimismo e com a consciência de que ainda temos um longo caminho a percorrer. A LGPD é de suma importância para disciplinar o uso de dados e privacidade das pessoas, mas ainda não é suficientemente conhecida. Apenas as grandes organizações estão preparadas e mesmo entre elas as visões são muito distintas em alguns temas.
O que para uma é permitido para outra não é: por exemplo, “legítimo interesse” significa poder tratar dados sem precisar de autorização do titular. A lei fala do “legítimo interesse do controlador”, ou seja, o entendimento que se tem para interpretar que, desde que não viole nenhum direito fundamental do titular dos dados, e que de alguma forma o uso do dado demonstre que titular dos dados manteve alguma atividade prévia de relacionamento entre a empresa e o consumidor. Como, por exemplo, provar que o consumidor teve contato com a empresa e interesse em seus produtos ou serviços através da visitação do site de uma concessionária de automóveis.
Muitas empresas desconhecem a cláusula do legítimo interesse e não sabem aproveitar a abertura da base de dados que tem em seu poder.
As operações de telemarketing sofreram um golpe duríssimo porque estão deixando de fazer ligações ativas, pois equivocadamente não têm o consentimento da pessoa abordada e não sabem que não é necessário ter, desde que o telefone da pessoa abordada tenha sido obtido de forma legítima ou seja público, por exemplo. Poucas empresas sabem que para contatos B2B – de pessoa jurídica para pessoa jurídica, no caso de avaliação de crédito, cobrança e fraude não é necessário consentimento. Porque não se está telefonando para uma pessoa física e sim para uma pessoa jurídica. Não é dado pessoal e sim da empresa, como por exemplo: e-mail, telefone ou endereço corporativos.
A LGPD é uma realidade muito grande nas empresas maiores e com recursos. Elas têm uma área só para isto. Mas não é o que ocorre em empresas pequenas.
Muitos recebem uma quantidade enorme de e-mails sem permissão de empresas. Em geral de pequenas empresas querendo abordar para oferecer serviços ou produtos.
A LGPD é uma realidade para empresas maiores e estruturadas, mas não é para as pequenas. É necessário um trabalho grande para que estas empresas usem melhor a LGPD.
A transformação recente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em autarquia dá a ela independência. Ainda mais com a existência de um Conselho Consultivo com membros indicados pelos setores, representando a atividade privada. Conselho este que não estava no Projeto de Lei e que foi incluído, graças às gestões bem conduzidas pelo mercado.
No momento está sendo regulamentada a fiscalização e a dosimetria das penalidades.
A Lei e a Autoridade de Proteção ganham praticamente sua maioridade. Os diretores da Autoridade definiram como linha de atuação uma posição mais orientativa do que fiscalizatória, apesar de, no momento, poderem fazer as duas coisas.
É importante destacar que a Autoridade felizmente tem a clara percepção das diferenças dos portes das empresas. Tanto que fez uma análise da aplicação para as empresas de pequeno porte que é um documento/guia orientativo para tratamento de dados também para o poder público. Isto demonstra que a autoridade está segmentando a sua forma de atuação, ao invés de ser genérica.
A Autoridade percebe e reconhece as particularidades dos diferentes portes. Para as empresas de pequeno porte dá alguns importantes benefícios. Por exemplo, dependendo do tipo de dado que ela trata é dispensada de ter dentro da empresa o DPO – Data Protection Officer. Inclusive, abre a possibilidade que a associação representativa dos interesses do setor à qual a empresa pertença possa oferecer este serviço, além de outros benefícios reconhecendo seu porte e os tipos de dados que ela trata.
Veja o link – Autoridade Nacional de Proteção de Dados: Guia Orientativo Segurança da informação para agentes de tratamento de pequeno porte. Aqui também está a lista dos profissionais que integram o Conselho Consultivo da Autoridade.
Há uma informação esclarecedora gerada pelo importante trabalho feito pela Global Data and Marketing Alliance (GDMA). Uma pesquisa internacional, com países de todos os continentes, incluindo o Brasil. A pesquisa mostra que se o consumidor for bem informado ele é bem pragmático em relação a ceder os seus dados em troca de benefícios.
Os consumidores foram divididos em três categorias autoexplicativas. Pragmáticos, Despreocupados e Fundamentalistas. A amostra brasileira tem o seguinte resultado: 62% são pragmáticos, 23% despreocupados, e 15% são os radicais. O mercado brasileiro entre pragmáticos e despreocupados tem 85%.
Veja mais informações sobre a pesquisa abaixo:
Sugestões e conselhos adicionais:
Ficar atento e antenado para estudar e seguir o que as autoridades publicam e também acompanhar especialistas e textos de atualização, além de prestar muita atenção em novas técnicas de comunicação e marketing que surgem da noite para o dia, como, por exemplo, Dark Patterns.
Na Europa já existe uma proposta de regulamentação sobre as práticas agressivas de captação de clientes muitas vezes usando dados pessoais, gerando grande incômodo para que o consumidor faça a compra ou contratação. Isto já está sendo considerado uma prática abusiva e o Brasil tende a seguir o mesmo caminho da Europa.
Em outubro de 2022 foi lançado o importante guia orientativo para utilização de cookies e proteção de dados. Uma demonstração de que a ANPD está alinhada ao movimento de atualização de cookies.
Abramark – As plataformas analógicas de comunicação definham a olhos vistos. Com sua experiência, o que acha que pode ser feito para dar um pouco mais de sobrevida a esses veículos, transformando-os, talvez, em negócios de nicho?
EK – A pergunta merece um livro de 900 páginas, ou seria um e-book, talvez uma série no Netflix, ou um filme postado no YouTube, com link no Face e LinkedIn. Será que o conteúdo seria pago, ou patrocinado?
Por isso fica para outra ocasião. As publicações impressas nunca vão acabar. Vejam que interessante, temos no momento um livro fazendo muito sucesso. Livro ilustrado é a denominação técnica, popularmente chamado de álbum de figurinhas. O álbum da Copa do Mundo de futebol, diga-se: caríssimo. Sucesso mundial simultâneo em todos os países de todos os continentes, uma verdadeira febre junto a crianças e adultos. 100% papel impresso. Quem diria, todas as publicações impressas não iriam acabar?
Não é uma revista, não é um jornal. Mas é uma publicação vendida em bancas! Aquele ponto de venda dito em extinção. Está sendo responsável por 70% do faturamento das bancas.
Vamos parar porque sobre figurinhas dá pra fazer outro livrão. E disto entendo alguma coisa porque fui o diretor da área que editava álbuns na Editora Abril e também na Editora Globo. Aliás, a primeira publicação do Mauricio de Sousa na Globo foi o álbum de figurinhas “A História da Turma da Mônica”.
Também dá para falar de listas telefônicas, classificados que alimentaram de receitas expressivas dos jornais e sobre quadrinhos. Estes são um caso à parte. Nas livrarias físicas, a área de quadrinhos não para de crescer e muito. São vendidos quadrinhos de valor unitário enorme. São edições de luxo. Além da Comic Com onde há filas de fãs que reservam recursos durante o ano todo para comprar suas publicações tão sonhadas que são esgotadas em poucas horas.
Aprendi que o anunciante não compra espaço num veículo e sim “nos vínculos de credibilidade que a audiência tem com o veículo”. Para isso acontecer é preciso investir em profissionais muito qualificados e talentosos para editar um veículo independente com definição clara de público-alvo. Assim conquista arduamente a audiência. E como fazer isso se a receita de publicidade nesses veículos foi quase extinguida?
Este assunto merece outro livro.
Realmente os meios analógicos precisam se ajustar à nova realidade e procurar aproveitar alguns diferenciais em relação às plataformas digitais. Enquanto os meios digitais são ágeis e trazem notícias em tempo praticamente real, os analógicos dispõem de mais tempo para analisar os fatos, procurar avaliar consequências e contextualizar. Outra diferença é que as plataformas digitais, em razão da agilidade e da disponibilidade de espaço ilimitado, disponibilizam uma quantidade enorme de informações. Os meios analógicos têm espaço limitado e, por isso, fazem uma “curadoria” do que irão publicar, com profissionais preparados (pelo menos deveriam ser) para hierarquizar as notícias. Para muitos, esse pode ser um diferencial importante, pois supõem que estão sendo informados dos fatos mais relevantes.
As plataformas analógicas continuam importantes e deveriam estar sendo aproveitadas em sinergia com as plataformas digitais. Um exemplo de como isso é bem-feito é o BBB – Big Brother Brasil.
É preciso integrar as plataformas analógicas — que não fazem quase nada para agregar um dos pontos fortes das mídias digitais: a mensuração — às ferramentas digitais.
A omnicanalidade é a solução. Única forma para que os veículos analógicos não desapareçam. Integrar as ferramentas que geram leads para as lojas físicas aos seus respectivos braços virtuais.
Abramark – Entre os inúmeros gargalos e dúvidas de gestores de marketing atualmente, está o social commerce, parte complementar importante e estratégica do e-commerce. Mas há grandes desafios de dados a serem vencidos nesse caso. Como avalia essa questão?
EK – Há dois exemplos muito positivos: Instagram e Facebook, que permitem uma perfeita integração. Possibilitam alta segmentação, alto uso de venda de produtos de acordo com o marketing de dados, são grandes exemplos de uma evolução intensa. Não há dúvida de que as grandes plataformas de social commerce estão evoluindo.
O social commerce veio pra dar mais amplitude ao “boca a boca”, que é muito importante para o marketing também. É de extrema importância que as empresas tenham ferramentas adequadas para não perderem comentários dos consumidores nas redes sociais, estancando possíveis crises e, também, para se mostrarem como marcas acessíveis e que se importam com o que o consumidor pensa.
Pensando pelo lado de e-commerce, vemos a importância dos influencers ou embaixadores nas redes sociais, tanto para divulgação de ações puramente comerciais quanto para um contexto mais voltado ao uso da marca.
É muito importante, embora óbvio e feito por poucos, que as marcas estejam onde o consumidor está, desenvolvendo um bom canal de compra via WhatsApp, divulgando o seu e-commerce nos posts do Instagram ou outras plataformas com as lojas.
Abramark – Que conselhos ou dicas deixa para os estudantes e novos profissionais de marketing e comunicação que desejam prosperar, crescer e deixar um legado?
EK – O legado que um profissional que trabalha com marketing de dados vai deixar é ser reconhecido como eclético e capaz de transitar nas áreas de criação, planejamento, conhecimento de dados e envolvimento com a tecnologia.
Para isto precisa constantemente estudar e aprender com afinco sobre dados, analytics, tecnologia e mensuração.
Não é possível ser reconhecido como um grande profissional e deixar sua marca se não houver um envolvimento com todas essas áreas interrelacionadas e isso exige uma vontade expressa de entender o processo e integrar as atividades.
No dia a dia é preciso estar sempre antenado para perceber atividades do mercado e ter estas percepções como acervo e cultura de referência para sua própria atividade.