Sônia Hess: “eu sempre falo que somos 50% da população ou mais, mas somos as mães dos outros 50%. Por isso, se a gente olhar bem, veremos uma oportunidade muito grande de contribuir”

Uma verdadeira bandeira do empreendedorismo feminino, Sônia Hess é um sinônimo de sucesso e dedicação. Nascida na pequena Luiz Alves (SC), atuou na confecção da família por 35 anos, sendo 12 como presidente da empresa, tornando-a um benchmark da moda nacional: Dudalina. Em uma das mais inspiradoras histórias de uma marca de nosso país.

Depois de vender o negócio, Sônia passou atuar de maneira incansável no terceiro setor, com maior ênfase ao apoio à mulher em situação de vulnerabilidade social e seu direcionamento profissional e empreendedor, como todo o suporte necessário. Uma escolha que tem feito a diferença na vida de milhares de famílias brasileiras.

Confira as respostas das cinco perguntas da Abramark desta semana.

Abramark – Você tem se dedicado muito ao terceiro setor, ao empreendedorismo feminino. Como tem sido esse momento de sua vida?
SH – Quando eu atuava como executiva, na Dudalina, 85% das pessoas que trabalhavam com a gente eram mulheres. E, ali, eu via todas as histórias. Muitas mulheres do interior, costureiras, muita dificuldade e superação. Eu acompanhei aquelas histórias. Mesmo que elas tivessem seus empregos, às vezes, na cidade onde a gente estava, não conseguíamos gerar todos os empregos necessários. E, mesmo assim, eu acho que meu maior legado é gostar de gente. Olhando sempre o CPF, não o CNPJ das pessoas. Eu acho que foi isso que me fez abraçar a causa da mulher. Eu sempre falo que somos 50% da população ou mais, mas somos as mães dos outros 50%. Por isso, se a gente olhar bem, veremos uma oportunidade muito grande de contribuir. Contribuir para mulheres em situação vulnerável, mulheres invisíveis, é mudar a sociedade. Porque quando você muda a vida de uma mulher, você muda a vida de uma família, e às vezes muda a vida de toda uma comunidade. Acho que foi por isso que eu me engajei tanto na causa das mulheres.

Abramark – O Grupo Mulheres do Brasil, da qual a senhora é vice-presidente, é uma das mais reconhecidas e atuantes entidades civis do País na atualidade. Um dos focos de atenção é justamente as próximas eleições, para que tenhamos um maior percentual de mulheres eleitas. Pode contar como tem sido esse trabalho e quais os objetivos?

SH –  Nós temos uma carta-compromisso, disponível para todas as candidatas que queriam assinar, uma carta muito simples, alinhada com mais de 20 causas do Grupo Mulheres do Brasil. Dessa forma, as candidatas que quiserem assinar, a gente apoia, mas somos suprapartidárias. Na realidade, nosso único partido é o Brasil. Queremos ser as protagonistas das mudanças que o Brasil tanto precisa.

Lançamos um movimento muito grande, que começou nesta eleição e vai seguir firme nos próximos anos, que é o “Pula Pra 50”: a gente quer ter 50% das cadeiras do Senado, Câmara Federal, Assembleias Legislativas, das Câmaras de Vereadores, ocupadas por mulheres. Se nós somos mais de 50%, não tem justificativa que representemos hoje menos de 15% dos cargos no Legislativo. Sabemos que a união do homem e da mulher, o equilíbrio, vai fazer as transformações necessárias.

Abramark – Por favor, fale um pouco sobre o Fundo Dona de Mim, voltado a oferecer microcrédito para mulheres MEI. Quantas mulheres fazem parte do programa, quais os impactos atuais da iniciativa e as perspectivas?

SH – O Fundo Dona de Mim surgiu durante a pandemia, quando algumas mulheres me ligaram, falando as coisas que elas faziam e as dificuldades que estavam enfrentando. Por exemplo, uma menina do Rio de Janeiro, que a mãe cozinhava, e ela entregava de bicicleta, mas não tinha um freezer para colocar a comida, e por isso não tinha mais como fazer as entregas. Outra que fazia crochê, mas não tinha mais dinheiro para comprar linha. Como eu sou investidora de um banco, o Banco Pérola, e havia um dinheiro lá que iriam me devolver, eu perguntei se podiam fazer um trabalho de microcrédito, pois elas ―Alessandra França e Adriane Garcia ― são especialistas em microcrédito. Elas toparam, com a vantagem de serem digitais. Então a gente reuniu, o Grupo Mulheres do Brasil, com a Ana Pontes, da Rede Mulher Empreendedora, a Denise e a Alice, duas companheiras da diretoria do Grupo Mulheres do Brasil, fomos atrás de fazer esse funding e conseguimos com isso ter o dinheiro para começar o projeto.

Posteriormente, o BTG Pactual também entrou com recursos sociais para 1.000 mulheres. É um microcrédito, não é doação. A pessoa tem que devolver o dinheiro para fazê-lo girar, poder também contribuir com outras mulheres.
Hoje são mais de 2.000 mulheres beneficiadas com Fundo Dona de Mim, mas até final do ano a gente vai alcançar a marca de ter 3.000, sendo que, recentemente, recebemos a doação de R$ 1 milhão para atender 500 mulheres no Vale do Jequitinhonha (MG).

Esse é um projeto muito simples para atender aquela mulher que tem algum dom. Por exemplo, ela saber fazer bolo. Mas precisa de uma boa batedeira, de forma e de embalagem; ou a mulher que tem o dom de costurar, precisa da máquina de costura, do tecido etc. Então é para essas mulheres começarem a serem autônomas, dentro de suas próprias casas, muitas vezes. Costumo dizer que não é nem um empreendedorismo, é somente o primeiro passo. Trouxemos, recentemente, para que a mulher tenha uma orientação financeira, uma startup que está nos auxiliando: a N2.

Sabemos que essa mulher vai se unir a outras. É o que a gente tem feito. O nosso foco hoje está nas comunidades. Aqui em São Paulo (SP), temos atuado no Capão Redondo, Caboré. No Grande Recife (PE), na região de Jaboatão dos Guararapes, ou em Fortaleza (CE)… Temos no Brasil todo, mas agora sempre são grupos de cinco mulheres que se unem, com uma líder. É para elas se ajudarem. Cada uma com o seu negócio.

Logo que começa o curso de orientação financeira e o curso da Rede Mulher Empreendedora, que é uma trilha empreendedora, elas já têm o dinheiro disponível e já podem fazer essa captação. São 4 meses de carência, 12 para pagar com 0,5% de juros ao mês. Para elas terem a responsabilidade de entender que esse dinheiro tem que voltar que atender outras mulheres. Fazemos isso e falamos para essa mulher: “eu acredito em você”, porque a gente não olha score, porque se olhar, fica muito difícil liberar dinheiro para ela. Então é, na realidade, para as mulheres invisíveis, as mulheres em vulnerabilidade.

Abramark – Sente saudade do mundo da moda? Pensa em voltar ou buscar um novo desafio nesse apaixonante setor?
SH – Absolutamente nenhuma saudade. Eu hoje estou em dois conselhos, que não são do mundo da moda. Estou muito envolvida com o terceiro setor, não é só o Fundo Dona de Mim e o Grupo Mulheres do Brasil, estou, também, no Amigos do Bem, no Instituto Verdescola, no Instituto Duda e Adelina, mentorando mulheres na Rede Mulher Empreendedora, e no Programa de Empreendedorismo da EY.

Quero continuar dando meu tempo para essas causas. Se eu puder deixar esse legado de transformar algumas vidas, já será o meu melhor presente. Deixar um país melhor para todos. Eu sei que sozinho não fazemos nada, mas se a gente for juntando mais, como é o Grupo Mulheres do Brasil, na qual já somos quase 110.000 mulheres, a gente pode, realmente, transformar o mundo. Eu costumo brincar, usar uma frase, que diz que a guerra, por exemplo, não tem rosto de mulher. Nós mulheres jamais iríamos fazer a guerra. Se estivéssemos no campo de batalha, iríamos procurar a paz sempre. Essa é a minha visão. O que eu puder fazer, vou estar à disposição sempre.

Abramark – Que conselhos ou dicas finais gostaria de dar para as mulheres que desejam empreender e prosperar?
SH – Não tem receita. Nada tem receita. Mas é fundamental acreditar em você. Não desista! As mulheres, às vezes, acabam desistindo. Existe uma pesquisa que constatou que a mulher desiste no segundo “não”. E eu falo que a mulher não deve desistir nunca! Eu acho que isso é muito importante. Se tem um sonho, vá atrás. Para ser empreendedora, tem que gostar de gente. Se não gostar de gente, não dá para empreender porque você vai ter sempre gente para trabalhar com você, tem que gostar, tem que respeitar. Isso é extremamente importante. Descubra o que sabe fazer bem, procure sempre se aconselhar com gente do bem, mas tenha cuidado porque às vezes aparecem pessoas que não tão do bem assim. Esteja sempre perto de quem te coloca para cima, que possa estender a mão se você precisar.

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