*Por Simone Gasperin
A palavra “comunidade” ganhou protagonismo nas conversas de marketing. Mas entre o discurso e a prática existe uma distância significativa. Em Belonging to the Brand: Why Community is the Last Great Marketing Strategy (livro recomendado por Chris Coelho, especialista no tema), o autor Mark Schaefer lembra que construir comunidade não é apenas uma tática de engajamento, e sim uma estratégia de negócio.
Mais do que reunir seguidores em torno de conteúdos, trata-se de criar vínculos sociais baseados em pertencimento. E isso não é simples: exige intencionalidade, propósito claro e, como reforça o autor, a disposição de servir às pessoas antes de servir ao negócio.
Schaefer aponta três pilares que diferenciam uma comunidade real: conexão entre pessoas, propósito compartilhado e relevância adaptativa. Sem eles, o que temos é apenas audiência, um fluxo unilateral de atenção, sem vínculos entre membros.
Cases que inspiram
Um dos exemplos apresentados por Schaefer é o da Lululemon. Seus clientes fazem parte da “The Sweat Collective”, onde a marca conecta pessoas com estilo de vida ativo. Em vez de apenas vender roupas, a empresa oferece experiências: aulas de yoga nas lojas, corridas de rua nos bairros, treinos virtuais e até espaços experimentais de 20 mil pés quadrados, com estúdios, cafés e áreas de convivência. O resultado é poderoso: a Lululemon transforma consumo em experiência social e o produto em parte de uma rede de relações.
No Brasil, vemos movimento semelhante na The 4am Culture, que criou a maior comunidade de mulheres que amam acordar cedo. Seu programa de fidelidade, o Morning Muse Membership, não é apenas sobre pontos ou níveis de consumo, mas sobre identidade. Ser Morning Riser, Morning Lover ou Morning Muse significa integrar-se a uma cultura de pertencimento, disciplina coletiva e celebração do estilo de vida matinal.
Esses dois exemplos, em escalas diferentes, mostram como marcas globais e brasileiras já entendem que comunidade não se constrói apenas em torno de produtos, mas de valores, rituais e apoio mútuo.
O custo do rompimento
Um ponto central do livro é como a comunidade adiciona uma camada emocional aos custos de troca. Deixar de comprar um produto pode significar, também, abandonar pessoas, amizades e o capital social construído naquele espaço coletivo. Essa barreira emocional é muito mais duradoura do que qualquer programa de fidelidade.
Pertencer é o verdadeiro diferencial
“Comunidade é boa para as empresas e para os clientes”, escreve Schaefer. Pesquisas mostram que pertencer a uma comunidade de marca aumenta autoestima, reforça identidade e gera orgulho compartilhado. Mas esse impacto só acontece quando a comunidade nasce de propósito. Como lembra o autor: “O primeiro estágio da comunidade é definir o propósito. Qual é a casa que vamos construir juntos?”
Aqui está o ponto crucial do livro: comunidades não se fortalecem quando são vistas apenas como espaços para vender, mas quando são criadas para apoiar, ajudar e celebrar pessoas. É a lógica da colaboração, do suporte e da reciprocidade, quando a marca deixa de ser protagonista absoluta e passa a ser facilitadora de conexões.
A partir da análise dessa leitura, fica a provocação:
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Que marcas estão dispostas a abrir mão do controle e permitir a co-criação?
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Que marcas estão abertas a ser facilitadoras, e não condutoras, das conversas?
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Que marcas estão proporcionando experiências realmente únicas que conectem as pessoas entre si e a um propósito maior?
No fim, a maior conquista do marketing não será um anúncio viral nem um case premiado. Será criar espaços onde alguém possa dizer, com convicção:
“Eu pertenço a essa comunidade e sei que aqui sou ouvido, apoiado e celebrado.”
Simone Gasperin é Sócia & Head de Marketing e Growth da BPool, plataforma de curadoria, contratação e gestão de serviços de marketing que viabiliza que grandes empresas se conectem ao ecossistema de comunicação, presente em mais de 10 países, com clientes como Unilever, Vivo, Novartis, Reckitt e L’Oréal.