Artista conta sua história e relata os desafios de viver de arte no Brasil.
Por Patrícia Mamede
Foi em 1996 que começou a trajetória de um dos grandes nomes da arte urbana brasileira, Luiz Pardal. Suas primeiras expressões artísticas nasceram na Pixação, mais precisamente, nos muros da Brasilândia e Freguesia do Ó. Desde jovem, Luiz já era um artista fascinado pelas letras, desenhos, tipografias e ilustrações. Mas havia um específico fascínio que superava todos os outros: os pássaros, “quando eu era pequeno, eu acreditava que os pássaros falavam comigo”. Foi daí que surgiu o apelido, Pardal.
Quando tinha apenas quatro anos, o menino praticava capoeira e era tradição que cada aluno recebesse um apelido, o dele veio de seu curioso hábito de assobiar na tentativa de falar o mesmo idioma das aves. Seu desejo era tão genuíno que, como um gesto de carinho, a alcunha se consolidou até entre seus amigos, que deixaram de chamar Luiz pelo nome de batismo.
Com o passar dos anos, seu interesse pelas letras e pelas artes visuais amadureceu e seus estudos em Design Gráfico e Artes Visuais lhe abriram portas para um caminho no mundo da publicidade, no qual atuou por mais de uma década. No entanto, os pássaros e os sprays continuaram a ser o seu encanto mais fiel.
Para além de um apelido e uma crença de criança, o pássaro, representado em muitos de seus trabalhos é uma forma simbólica de representar filosoficamente “as pessoas, uma idéia, um conceito, um sentimento e até mesmo a busca pela liberdade e respostas sobre a vida”, explica.
Filho de pai pernambucano e mãe cearense — vinda das raízes do corte de cana e trabalhadora doméstica —, Pardal precisou batalhar muito para viver do sonho, “eu trabalho desde os doze anos de idade”. Dos camelôs, lanchonetes, metalúrgica e aos fundos de fábricas, percorreu um longo caminho até poder construir o sua trajetória, entre tantas dificuldades, a arte foi sua salvação.
“A arte sempre acompanhou a minha história. O desenho sempre me salvou.”
O desenho esteve presente em todos os momentos, desenhando seres anônimos que cruzavam seu olhar no transporte público a caminho do trabalho, onde escolhia por desenhar ao invés de comer, sempre estudando nas poucas horas vagas. “A arte sempre acompanhou a minha história. O desenho sempre me salvou”.
“Vivemos em uma sociedade em que muitas coisas acontecem para muita gente muito rápido. Eu tenho um amigo que fala que não dá para disputar com quem tem tempo.”
A infância, que deveria ser um espaço para descobertas, foi para ele uma época de responsabilidades e restrições. Foi somente aos trinta anos, com o apoio de sua parceira, que ingressou na faculdade e conheceu o prazer das primeiras vezes. “Eu consegui viajar de avião com trinta anos de idade, e fui pra Minas Gerais, aqui do lado, em uma aeronave da Azul”, recorda.
Nove anos depois, o destino, brincando de pregar peças, lhe surpreendeu com uma ironia, e a Dionisio.AG convidou o artista para pintar um avião da mesma companhia. “Isso me marcou muito porque há nove anos eu viajei pela primeira vez de avião, em uma aeronave da Azul e, de repente, lá estava eu, tendo o privilégio de ver meus desenhos em uma aeronave da Azul”.
Apesar das surpresas e prestígios, sua persistência para permanecer na arte foi dificultada pela necessidade de trabalhar e levar dinheiro para dentro de sua casa. “Precisava ajudar a minha família a ter o mínimo de dignidade. Produzir arte tendo a preocupação de pagar aluguel, fazer mercado e sem uma estrutura básica é um ato de resistência.” O artista relata que muitas vezes teve de diminuir a frequência das pinturas na rua a fim de conseguir um salário fixo.
Nos anos 1990, o acesso ao spray era difícil e só existia tinta automotiva para os jovens, e a venda era proibida para menores de 18 anos, “usávamos muita tinta e rolinho, pois não tínhamos dinheiro e o jeito era garimpar as lojas de tintas do bairro que vendiam sprays de tinta automotiva vencidos e abaixo do preço e com cores limitadas. Além de vasculhar sobras de tintas látex em caçambas de entulhos e construções”, conta.
A história de Pardal, ainda que inspiradora, não deve ser romantizada e, para além de olhares ternos, é um dever social entendê-la enquanto fraturas sociais que inibem, ainda nos dias de hoje, crianças e jovens do acesso à arte.
“É muito difícil produzir arte preocupado com coisas básicas da vida.”.
Pardal questiona a ideia, ainda muito presente no imaginário coletivo, de que o artista é exclusivamente boêmio, “pode ser, para alguns, mas pra quem vem da periferia e quer viver de arte, tem que ter disciplina, pois queremos produzir arte despreocupados, mas a realidade nos chama e temos que nos preocupar com as coisas básicas da vida”. Para o artista, é importante pavimentar o caminho das próximas gerações, “vivemos em um país com muita desigualdade social. Acho que tudo começa arrumando o básico”, como educação, moradia e acesso à saúde com dignidade.
“As pessoas da periferia produzem com a ânsia de ter voz e escuta.”
O que deu forças na trajetória de Pardal foram movimentos como o Hip Hop e Punk, “a voz da periferia, que retratam os problemas dali com a música e as artes visuais, [é um movimento coletivo onde] as pessoas têm voz e escuta pra que tudo isso melhore”, finaliza o artista.
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