Artista provoca reflexões através da comparação entre coisas que, à primeira vista, podem não estabelecer semelhanças
Por Patrícia Mamede
A trajetória de Apolo Torres, artista visual, começou como a maioria dos artistas: nos rabiscos e na infância. Apesar de carregar um espírito curioso, que lhe desperta diversos interesses, o desenho sempre foi a veia que permeou todos os diversos assuntos que lhe brilhava os olhos. Através do desenho, Torres se expressa e cria perspectivas de vida, “aquela coisa clichêzona, [eu era] a pessoa da sala que desenhava, fazia as capas dos projetos da escola”, e tudo mais.
No colegial, seu grupo de amigos era formado por pessoas que, não só tinham afinidade pela arte, como também a produziam. Essas relações despertavam em Apolo grande admiração, e lhe estimularam a seguir seu caminho, “é legal conviver com outras pessoas que curtem fazer [arte] porque um puxa o outro”, permitindo que sua trajetória acontecesse mais naturalmente.
No entanto, apesar do ciclo de pessoas que tratavam o fazer artístico como uma atividade corriqueira e prometida, os passos que deveriam se seguir para viver da arte no Brasil, não ficavam tão claros quando aplicados às lentes da realidade. Como muitos, Apolo não sabia que era possível se tornar um artista profissional, já que essa possibilidade dificilmente é mencionada às crianças e aos jovens, muito por conta dos desafios financeiros enfrentados no meio da cultura no país. Assim, ao completar o ensino médio, escolheu cursar Desenho Industrial, profissão que lhe garantia contato com o desenho, mas que poderia se desdobrar em outras frentes, caso ele desejasse.
O artista sempre carregou enorme admiração pelo graffiti, “ficava sentado na rua vendo a galera pintar. Eu achava muito legal, mas não via a menor possibilidade de viver daquilo”. Já na faculdade, Apolo começou a dar forma ao próprio sonho e se familiarizar com as possibilidades reais que poderiam vir a acontecer, “começou a dar pra sonhar, sabe?”.
Nessa época, Torres conseguiu um emprego como assistente de um artista e foi quando tomou conhecimento técnico e mercadológico. Muitos artistas, principalmente os que estão no início, relatam sobre a dificuldade de estimar valor às suas obras. Por isso, nesse sentido, Apolo reconhece que foi importante ter alguém ali que pudesse lhe instruir sobre esses números.
Após um ano, Torres alugou o próprio ateliê e passou a se dedicar à arte. Além das telas, o artista pinta muros nas ruas, “as duas coisas sempre foram complementares”, mas, atualmente, pensando no esforço físico que a pintura nas ruas exige, Apolo tem se dedicado mais às telas que cruzam a porta de seu ateliê. Mesmo assim, reconhece a importância de ter trabalhos expostos nas ruas como uma oportunidade de levar arte às pessoas que não têm o costume de ir às galerias, museus e afins, seja por questões financeiras ou de acesso à informação.
Muitos de seus trabalhos carregam uma veia social, como, por exemplo, sua empena, Nina, cujo objetivo é fazer uma reflexão sobre as dificuldades do acesso à educação. Ou, a obra Entregador, financiado pelo projeto MAR (Museu de Arte de Rua de São Paulo), outra empena, que busca contemplar os entregadores, pessoas cujos serviços foram fundamentais na época da Covid-19, “tem assuntos que me afetam. […] Às vezes é uma crítica, às vezes é uma observação”.
Além dessas observações e críticas, as obras de Apolo, muitas vezes, brincam com a noção de oposição entre dois objetos ou assuntos, geralmente entendidos como antagônicos ou sem nenhuma suposta relação, mas o artista ilustra a conexão entre eles. Um exemplo disso é seu trabalho mais recente: uma pintura sobreposta em panfletos de anúncios imobiliários. A figura centralizada no papel é uma barraca, também conhecida como a casa dos moradores de rua. A proposta é gerar uma reflexão sobre o mercado imobiliário e as pessoas em situação de rua, traçando um paralelo entre esses dois extremos que assombram as esquinas de São Paulo, “como pode a gente estar na cidade que tem mais de seiscentos mil imóveis vazios e uma população de rua enorme com, sei lá, quarenta, talvez cinquenta mil pessoas?”, indaga o artista.
Outra característica presente na arte de Apolo é a sobreposição. Para ele, a superfície é uma coisa separada dos elementos que constituem a obra. Ao entrar em seu ateliê, vê-se uma tela de três metros, com a tinta ainda fresca. A arte tem dois momentos, o primeiro no topo: o pescoço de uma mulher com jóias; o segundo, rente ao chão, mostra a paisagem de um garimpo. “Às vezes, basta isso: colocar duas coisas próximas uma da outra, que te obriga a pensar na relação entre essas duas coisas”.
Antes, o artista não tinha noção da dimensão e da potência dos trabalhos espalhados nos espaços urbanos, acreditava que ele era um observador atípico. Porém, ao longo de sua trajetória, ouvindo retornos que recebia das pessoas, Apolo se espantou diante do fato de que muitas pessoas são afetadas pela arte de rua, “me deu uma dimensão bem maior do poder de comunicação”. Por isso, ele defende que as ruas são uma espécie de plataforma, com grande potencial, a serem utilizadas.
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Créditos Fotos: Larissa Mazza e Instagram de Apolo Torres