Marcos Gouvêa: “quem se der bem no varejo do Brasil tem condições de ser um varejista classe mundial”

Referência nacional e internacional em varejo, Marcos Gouvêa de Souza, após uma bem-sucedida carreira em diferentes varejistas, fundou sua própria empresa em 1988. Hoje com o nome de Gouvêa Ecosystem, o negócio ganhou múltiplas verticais, posicionando-se como especialista em consumo, varejo e distribuição, e tem consagrado ainda mais a atuação e renome de Gouvêa no setor.

Exercendo forte liderança e influência, não somente no setor varejista, mas no empresariado de maneira mais ampla, Marcos participa ativamente de entidades representativas dentro e fora do País.

Autor e coautor de centenas de artigos e livros, lidera a plataforma sobre varejo e consumo Mercado&Consumo.

Integrante do Hall da fama da Abramark, Marcos Gouvêa é o convidado dessa semana a responder às nossas cinco perguntas. Confira!

Abramark – Fale um pouco sobre a Gouvêa Ecosystem e suas impressionantes 18 empresas: a ideia foi encarar todos os desafios possíveis e imagináveis no âmbito do varejo?

MG – A Gouvêa Ecosystem foi a evolução no nosso modelo de organização, de uma empresa que tem 35 anos. Ele foi inspirado, de alguma maneira, nos ecossistemas de negócios da China, que nós tivemos visitando com muita frequência antes da pandemia, e que nos impressionou muito. Porque os chineses, de fato, para além do discurso que a cultura ocidental desenvolveu de colocar o cliente no centro de tudo, o consumidor no centro de tudo, lá, isso aconteceu de verdade. Muito por inspiração dos meios de pagamento, como o Alipay e o WePay, que permitem monitorar comportamentos de consumidores, conhecê-los com maior profundidade e usar essa informação para direcionar produtos, serviços a partir dos hábitos desses consumidores.

No nosso caso, já tínhamos algumas unidades de negócios ou mesmo empresas, dentro do que na época chamávamos de Sistema Gouvêa, que compunham a nossa oferta focada no setor de varejo e distribuição, no mercado brasileiro e no mercado internacional. Na medida em que conhecemos mais sobre os ecossistemas de negócios, reconfiguramos a nossa atuação colocando no centro de tudo o consumidor final ou o consumidor empresarial do conceito B2B ou B2C, até porque, muitas vezes, as pessoas físicas compram através das suas empresas para estarem nas nossas viagens, nos nossos eventos, mas também pessoas jurídicas contratam os serviços de consultoria estratégica, pesquisa de mercado, treinamento e tudo mais.

Nesses últimos anos, essa modelagem acabou permitindo que nós aumentássemos o número de empresas que estão integradas ao ecossistema com esta característica: no centro de tudo estão as empresas que atuam no varejo, no consumo, sejam elas serviços, produtos, tecnologia, área financeira etc. E essa configuração tem se mostrado muito oportuna e permitido um aumento da expansão dos nossos negócios no seu conjunto e individualmente para cada um desses negócios.

Abramark – Como rescaldo do pós-pandemia e somado a outras particularidades específicas a cada empresa, muitos tradicionais varejistas brasileiros, como Marisa, Americanas e Renner têm sofrido prejuízos enormes, fechado lojas, renegociando dívidas. Como consultor e especialista, como o senhor enxerga esse cenário? O varejo físico será, de fato, muito menor do que já foi um dia e pronto?

 MG – É inegável que, momentaneamente, no Brasil nós temos uma conjugação nada virtuosa de fatores impactando o varejo, e também, de certa maneira, o consumo. É a inadimplência do consumidor, é o endividamento, são as altas taxas de juros… Mesmos problemas que algumas redes de varejo tiveram, como é o caso das Americanas e acabou de alguma maneira espalhando uma preocupação para todo o setor de varejo.

Pontualmente algumas outras organizações, como Livraria Cultura, Tok&Stok e Marisa, entre outras, acabaram contribuindo para criar um clima nada positivo para o varejo. Mas, de outro lado, quando nós analisamos de forma mais abrangente, o varejo, seja físico ou digital, tem potencial de crescimento muito grande porque é da sua natureza a conexão direta com o consumidor final. Poucas coisas se tornaram tão importantes como ter essa conexão para poder entender e prever comportamentos. E, com essa conexão, promover, desenvolver e ampliar negócios e oportunidades. Tanto assim, que indústrias como Nestlé, Procter & Gamble, Apple, Ralph Lauren e muitas mais acabaram desenvolvendo um braço de varejo, sim, que concorra com o varejo tradicional, mas de alguma maneira, reforçam a importância estratégica de varejo, seja ele controlado por varejistas tradicionais, seja controlado por indústrias, que também se aproximam do varejo. Ou mesmo fundos que desenvolvem operações próprias, porque um dos mais importantes ativos do mundo atual e futuro é essa conexão direta com o consumidor e o potencial de sua utilização para expansão de negócios, especialmente soluções que são a combinação de produtos com serviços. Sendo, talvez, um dos melhores exemplos, o food service, que promoveu uma transformação estrutural no consumo de alimentos no mundo, fazendo crescer a participação dos alimentos preparados fora do lar, que é o setor de food service, em relação aos alimentos para serem preparados no lar.

De novo, quem tem esse conhecimento, quem tem essa proximidade e que capta de forma correta essas mudanças pode estabelecer novos negócios e novas oportunidades.

Importante reconhecer que uma economia, quanto mais amadurece, maior será a participação do setor de serviços no PIB dessa economia, dessa sociedade. E, quem tem a sensibilidade para isso e pode usar essa conexão com os consumidores, é o próprio varejo. Desde que se organize e se prepare para poder fazer uso desse conhecimento, dessa oportunidade, do aval da sua marca para criar novos negócios.

Com respeito ao varejo físico, em relação ao varejo digital, todas as projeções falam hoje de um percentual de participação das vendas no digital que, por exemplo, nos Estados Unidos, se aproxima dos 30% até 2027. Ou seja, 70% em outros canais com forte participação das lojas. Portanto, o convívio existirá.

Talvez o melhor paralelo seja aquele da indústria do cinema. Que se reconfigurou, criou novos elementos, colocou novas experiências, e convive muito bem com o crescimento do streaming e outras formas de transmissão de filmes.

O varejo de lojas continua e continuará a ser relevante. Não dá para se aventurar e dizer dominante, mas convivendo com o digital. E o maior desafio e oportunidade está exatamente nisso, em buscar essas alternativas todas que nós, dentro da Gouvêa, chamamos de “Omni PDX”. O PDX é em relação ao antigo PDV, e o X significa tudo aquilo que se incorpora: a experiência, a educação, o relacionamento, a mídia no ponto de venda, integrando físico e digital e o que mais for viável.

Abramark – Vimos, nas últimas décadas, inúmeras redes de restaurantes e outros serviços de alimentação fora de casa chegar ao Brasil. Alguns prosperaram e se multiplicaram, muitos foram embora, outros batalham até hoje para encontrar seu lugar ao sol. O setor de alimentação é bastante desafiador em qualquer lugar do mundo, mas você acredita que em nosso país, esse negócio seja ainda mais complexo e confuso devido às características geográficas, tributárias e logísticas do Brasil?

MG – Inegavelmente tudo no Brasil é mais complexo pelas questões, especialmente tributárias, logísticas e culturais, não há como isolar isso. Mas, em compensação, quem aprende a jogar esse jogo é vencedor aqui no Brasil, e potencialmente, em outros mercados do mundo. Desde que supere a tendência natural de olhar muito para dentro. Veja exemplos como O Boticário, Alpargatas ─ com as Havaianas ─, Track&Field, Grendene e outras marcas que ousaram ir para o mercado internacional na área de consumo e estão se dando bem e podem ir melhor ainda.

O que é inegável, tomando como referência o setor de alimentação fora do lar, mas também podemos falar de um Walmart, que saiu do Brasil, ou de outras organizações do setor de material de construção que também saíram do Brasil. Se quiser voltar no tempo, a Sears, na época era das maiores operadoras de varejo do mundo, e também saiu do Brasil.

O Brasil não é para amador definitivamente. A expressão não é nova, mas ela é muito verdadeira. Há um processo de transformação estrutural e estratégica do varejo no mundo todo. No Brasil, ela tem características próprias, especialmente pela juventude da nossa população, uma das mais jovens do mundo, com um pouco mais do que 30 anos em média de idade, pela volatilidade do nosso comportamento, pelas características culturais todas. Mas insisto quem se der bem no varejo do Brasil tem condições de ser um varejista classe mundial, desde que, e somente se, pense com uma outra cabeça.

Cito o exemplo dos marketplaces e dos crossborders. Nós estamos hoje asfixiados pela penetração de produtos vindos do exterior, que entram em situação, na maioria dos casos, desigual no mercado brasileiro pelos crossborders, de forma heterodoxa, sem pagamento de impostos. Ou com pagamento muito abaixo do que deveria ser. À medida que isso possa ser corrigido, por que não usar o próprio conceito de crossborder para levar produtos brasileiros para o exterior? Inicialmente, talvez pelos brasileiros que vivem no exterior, mas a partir daí ampliando mercados. É uma outra forma de pensar.

E outro elemento que nós deveríamos considerar, de forma ampla e não só para o varejo, é a possibilidade cada vez mais importante de agregarmos marca e distribuição na nossa atuação no mercado global, reduzindo a nossa parcela de venda de commodities. Algumas empresas brasileiras já estão fazendo isso, JBS e BRF, por exemplo, entre outros, mas isso pode ser muito mais ambicioso. Entretanto, para isso, deveríamos estar pensando de uma forma mais ampla e estratégica.

Abramark – Como empresário, frente a um negócio relevante e com 35 anos de mercado, e como consultor, que roda e conversa com inúmeros outros executivos e empreendedores Brasil afora, como tem visto as movimentações do Governo Federal atual? E qual acha ser suas implicações para o setor corporativo como um todo em médio prazo?

MG – Nos falta um projeto de nação. Neste momento, nós temos um perigo que está claro, de uma visão dogmática, com o aumento do tamanho do Estado, mesmo que asfixiando a nação.

O setor empresarial deveria necessariamente repensar seu posicionamento para além do clássico gerar renda, emprego, pensando no lucro dos seus negócios para assumir responsabilidades adicionais com respeito ao projeto de nação. Usando sua visão global, sua capacidade de articulação, o planejamento estratégico, a consideração das ameaças, oportunidades, pontos fortes e pontos fracos, pensar e contribuir para a formação de um projeto de nação que nos permita dar o salto quântico que todos ambicionamos ver implantado no Brasil, com o desenvolvimento econômico, social, a redução das desigualdades, e principalmente, criando um legado.

É preciso considerar, que nós temos estado nos últimos tempos migrando de posições políticas e pessoais, sempre aguardando que um salvador da pátria nos conduza a um melhor destino. Eu acho que temos que parar de esperar o salvador da pátria e unir o setor empresarial, a sociedade, liderados pelo setor privado, para criar um projeto para a nação. Talvez seja essa a missão indelegável que o setor privado brasileiro tenha, de alguma maneira inspirado pelo que acontece no Japão desde o final da Segunda Guerra, quando os líderes empresariais se uniram no Keidanren para criar quase que um “poder” em condições de discutir os grandes temas nacionais com o governo.

Abramark – Que conselhos ou dicas deixa para estudantes e novos(as) profissionais do varejo, marketing ou comunicação que desejam prosperar, crescer e deixar um legado?

MG – Tem uma expressão popular, que nós usamos no varejo, que diz: “barriga no balcão e olhos do futuro”. Talvez, devêssemos acrescentar a ela “barriga no balcão, pés no chão, e olhos do futuro”.

A combinação dos três elementos significa: barriga no balcão ─ foco e tudo aquilo que disser respeito à excelência da operação, à realidade do dia a dia; pés do chão para estar pensando essa realidade de uma forma equilibrada, ponderada; e olhos no futuro significa estar sempre levando em consideração o que vem pela frente e as tendências que estão emergentes.

E, depois, jamais se sentir asfixiado ou pressionado pela realidade, mas buscar caminhos para desenvolver as oportunidades que estão por aí.

#Varejo #Entrevista #GouveaEcosystem #FoodService #Omnichannel

 

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