Guilherme Paulus: “O grande problema, e que eu debato muito com a Embratur e o Ministério do Turismo, é o seguinte: não adianta você participar de feiras, mostrar o Brasil lá fora, se não oferecermos facilidades para virem para cá!”

Acadêmico da Abramark, Guilherme Paulus é uma das maiores autoridades mundiais em turismo e hospitalidade. Com mais de 50 anos de atuação nesse mercado, Paulus fundou em 1972, ao lado do sócio Carlos Vicente Cerchiari, a CVC. Do início simples em Santo André, a empresa cresceu, prosperou e virou uma das maiores empresas de varejo de turismo do mundo, vendida ao fundo norte-americano Carlyle em 2010.

Com uma atuação forte em hotelaria, e ainda muito presente em conselhos e bureaus de turismo pelo Brasil, e investimentos na área de incorporação, Paulus também foi dono da companhia aérea Webjet. Hoje, entre seus empreendimentos, comanda o Castelo Saint Andrews, hotel boutique de alto luxo na Serra Gaúcha.

Tudo isso e muito mais são pontos que credenciam Guilherme Paulus a ser uma figura de destaque no marketing nacional por suas inúmeras realizações e visão privilegiada. Confira as resposta as nossas cinco perguntas nessa semana.

Abramark – Com a CVC, você liderou um movimento que fez o brasileiro viajar e conhecer o próprio país como nunca. Acha que essa foi uma forma de inclusão e valorização do Brasil — e de seu povo — internamente?

GP – É verdade. Você imagina que há 50 anos, somente as pessoas mais ricas viajavam. Nós tínhamos poucas companhias aéreas no Brasil, a Varig e algumas companhias aéreas estrangeiras: Pan American, Lufthansa, Air France, TAP, Iberia etc. Só depois algumas outras empresas vieram para cá. A Japan Airlines, por exemplo, veio em 1976 ou 77.

Então, quando se falava em turismo internacional, em viajar, naquela época, as pessoas imaginavam Paris, Londres, Nova York ou Los Angeles. Não tinha ainda nem a Flórida. Existia a Abreu, que era uma operadora portuguesa, que fazia excursão de ônibus com brasileiros pela Europa. E havia também havia a Polvani, italiana, que rodava toda a Europa de trem. E assim era o turismo. No Brasil, pouco se falava em viagens.

A criação do depósito compulsório para viajar ao exterior foi quase como a recente pandemia em termos de impacto para o turista brasileiro. Naquela altura, para fazer uma viagem internacional, o brasileiro tinha que depositar US$ 1.000,00 no Banco do Brasil, e se quisesse gastar mais, só comprando no câmbio paralelo. Inviável.

Nosso grande “boom” se deu por estarmos na região do ABC Paulista, região na qual a indústria automobilística era muito forte, com as montadoras crescendo muito naquele momento. Para se ter uma ideia, a Volkswagen tinha 49 mil funcionários; a General Motors tinha 25 mil; a Ford 20 mil; a Mercedes uns 18 mil; a Scania 10 mil empregados. Era uma região muito rica e importante, com outras empresas de autopeças para atender as montadoras também.

Mas, como eu disse, com a criação do depósito compulsório, as viagens internacionais ficaram minguadas. E eu na CVC, na segunda metade dos anos 1970, recebi uma ligação da Mercedes Benz pedindo uma cotação de ônibus para o Vale do Itajaí. Isso me abriu um horizonte, pois descobri que aquelas grandes empresas tinham clube de funcionários, e nós poderíamos organizar viagens para eles, como já acontecia nas empresas em suas matrizes em outros países.

Descobri esse nicho e comecei a preparar roteiros. Peguei um folheto do calendário de viagens da Ford de Detroit (USA), e passei a organizar algo parecido, levando às indústrias e vendendo para os clubes dos funcionários. Aquilo realmente começou a fazer muito sucesso.

Passeios de um dia, ou final de semana, ou um feriado prolongado, férias, e programas de aposentados: foi assim que nós começamos a abrir esse grande nicho para o mercado, com viagens rodoviárias. Começou com o pessoal fazendo um passeio de um dia para pescar em Santos. Eram dois, três ônibus, mas chegamos a levar até 20 ônibus para pescaria. Depois a gente começar a montar um projeto de final de semana em Campos do Jordão, um passeio de um dia para a Caverna do Diabo…  E assim começamos a fazer o turismo se desenvolver e fomos crescendo: viagens rodoviárias para o Rio de Janeiro, Vale do Itajaí, e ganhamos mais coragem e fomos para a Bahia e todo o Nordeste.

Depois, na década de 1980, o Comandante Rolim (Rolim Amaro) me chamou na TAM e ofereceu a possibilidade de fretar seus aviões a partir do Aeroporto de Congonhas. E aí nós começamos a fretar as aeronaves e a realizar programas mais longos, como uma semana em Porto Seguro (BA), Maceió (AL), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e criamos vários pacotes de turismo de uma semana. Isso foi um sucesso.

Foi aí que a gente começou a fazer um turismo social mesmo. Financiando e dando condições para as pessoas viajarem. Na oportunidade, tivemos muita ajuda da Embratur, na época da própria gestão do João Dória na entidade. Foi criado o Passaporte Brasil, em uma grande campanha de desenvolvimento do Turismo, liderada pelo Ministério do Turismo. Depois vieram os governos do Fernando Henrique e do Lula e eu acabei fazendo parte, como operador de turismo, desenvolvendo fretamentos no Brasil depois fretamentos para o exterior, para Miami, Caribe, Cancún, San Martin, Isla Margarita — na época que a Venezuela era maravilhosa —, a gente fez muitos roteiros, inclusive para a Europa.

Para Porto Seguro (BA), levando as escolas, mostrando como foi o Descobrimento do Brasil, a Serra Gaúcha, onde desenvolvemos a parte do Vale dos Vinhedos… São conquistas realmente importantes, parte da construção do turismo no Brasil. Sem deixar de falar da Amazônia, quando desmistificamos, na época, a Zona Franca de Manaus: a gente levava as pessoas para comprar vídeos-cassete — traziam dois, vendiam um por aqui e já pagava a viagem.

Argentina! A gente fez tanto fretamento para Bariloche em julho, que virou “CVC-Loche”, “Brasil-Loche”. Então, foi uma coisa maravilhosa que a gente conseguiu fazer. Dando condições, financiando as viagens em 10 ou 12 vezes.

As pessoas faziam praticamente um calendário de viagem e demos condições para que elas pudessem viajar. A gente “brincava” muito com programação de férias de automóvel. Muita gente gostava de viajar de carro. Então criávamos campanhas como “nunca foi tão fácil viajar” ou “sonhe com o mundo, a gente leva você”. Foram várias campanhas de marketing sempre valorizando o crescimento da própria companhia, até o momento que a gente acabou abrindo capital da empresa, vendendo para um grupo americano e se tornando uma das três maiores empresas de turismo do mundo.

Abramark – Mesmo sendo belo, diverso e culturalmente riquíssimo, o Brasil não é um importante destino turístico em nível global. O que você acha que falta para ocuparmos o lugar que seria nosso por direito?

GP – Muita gente fala que a distância do Brasil é muito grande em relação à Europa. Mas se você contar que, de Lisboa (POR) para Natal (RN), você tem 7h de voo, não é tão longe assim. Isso seria ainda mais minimizado se tivéssemos um tipo de turismo mais organizado.

O grande problema do turismo do Brasil é que a gente faz muita divulgação, mas faz de forma errada, lamentavelmente. Não adianta a gente investir um caminhão de dinheiro em publicidade, destacando que as praias do Nordeste são sensacionais, que a Amazônia é maravilhosa, que o Pantanal Mato-Grossense é espetacular, que a Serra Gaúcha tem os melhores vinhos do Brasil, com espumantes premiados internacionalmente, sem aliar e dar boas condições para quem vende.

Nós temos poucos voos internacionais para o Brasil. O grande problema é que você tem que ir e vir. Hoje nós não temos mais a Varig. Falta uma companhia aérea brasileira para realmente fazer esse trabalho. No passado, o turista vinha para o Rio de Janeiro (RJ) ou para São Paulo (SP), e ele tinha o passe, dentro de um preço natural de um bilhete, a possibilidade a fazer uma viagem para Foz do Iguaçu (PR), Salvador (BA) e até Manaus (AM).

As companhias aéreas internacionais como a TAP, a própria Iberia. Na Inglaterra tem a British Airways, a Lufthansa, na Alemanha. Essas empresas têm voos contínuos para o Brasil. Uma frequência pré-definida de duas ou três vezes por semana, ou até voos diários. Normalmente são voos lotados por estrangeiros que vem aqui para o Brasil visitar os familiares que trabalham aqui, e de brasileiros que vão visitar os seus parentes lá fora.  Então você não tem espaço para o turismo.

O grande problema, e que eu debato muito com a Embratur e o Ministério do Turismo, é o seguinte: não adianta você participar de feiras, mostrar o Brasil lá fora, se não oferecermos facilidades para virem para cá! E o Brasil se torna caro, a partir do momento que você não tem um voo fretado, um charter, para vir ao nosso país. O bilhete aéreo comum é muito mais barato. Você consegue negociar um charter com a empresa aérea com até 40 ou 50% de desconto, porque você lota o avião. Mas quem pode fazer esse papel é o agente de viagem, o operador de turismo local mundo afora, aspecto que justamente o Brasil não tem na venda dos pacotes. Isso torna tudo mais difícil.

Temos bons hotéis, com redes internacionais reconhecidas, sejam americanas ou europeias. Mas não temos nenhuma operadora por aqui que ofereça um circuito nacional de ônibus como tem na Europa. E tínhamos condições de fazê-lo, apesar de não termos muitas estradas de qualidade.

Nos USA, por exemplo, é possível fazer toda a Califórnia de ônibus, com roteiros que você pode ir até o Canadá, sim, de ônibus. Há circuitos de operadoras que você pode negociar e fazer o trabalho corretamente. No Brasil, faltam operadores internos e o apoio do governo para criarmos condições de termos uma empresa aérea de bandeira, como por exemplo, existe nos Emirados Árabes, e que fazem grandes promoções.

Abramark – Outro negócio na qual você já investiu, a aviação civil é um segmento entre os mais desafiadores do mundo, mesmo em circunstâncias normais. A pandemia complicou e praticamente dizimou esse setor globalmente. O que acha que pode ser feito em médio prazo para que esse setor, tão importante e estratégico, possa reagir e voltar a crescer no Brasil?

GP – As empresas aéreas sofreram muito no mundo todo. Nos USA, o governo americano aportou dinheiro nas empresas para dar uma força para o setor. No Brasil não entendemos ainda que o alavanca esse negócio como um todo são as rotas internas e as rotas para o exterior.

As empresas aéreas precisam ter um apoio muito maior, principalmente na criação de subsídios, não de impostos. Os tributos matam as companhias aéreas. O valor do ICM do combustível é um exemplo, como se não bastasse ter que pagá-lo em uma moeda forte, que é o dólar. Ninguém compra avião à vista. Todo mundo financia em dólar ou euro. Os custos são muito elevados. Precisávamos criar um subsídio para alavancar.

Outra coisa: contamos com poucos aeroportos nacionais. Só temos nas grandes capitais brasileiras, mas o que movimenta de verdade é o regional. Se você for para os USA, ou se você viajar dentro da Europa, os aeroportos de pequeno porte são como os aeroportos grandes daqui.

O Brasil é transcontinental, enorme. As distâncias nas viagens internas são muito grandes. E ainda trabalhamos com aviões menores, de pequena ou média capacidade. Um exemplo que eu posso dar: a Azul faz a rota de Porto Alegre (RS) para Canela (RS), com um avião de oito lugares, que é um Caravan. As pessoas precisavam de muito espaço para as malas, pois vão no frio, precisam levar roupas etc., mas a bagagem vai separadamente, de ônibus, até porque o Aeroporto de Canela é um aeroporto pequeno, com uma pista de 800m. Como você vai desenvolver o turismo e a aviação mais fortemente em uma região dessa forma? Se o governo não der subsídio, não apoiar, fica muito difícil.

Os custos de operação e equipe também são bem grandes, mesmo em empresas de baixo custo. Nos USA e Europa é possível voar com um número reduzido de tripulantes. Aqui isso não é possível. Você precisa de três tripulantes, mais comandante, mais copiloto etc. É muita gente dentro de uma aeronave. Há, também, os próprios custos da Infraero para as empresas.

Lembro de uma famosa frase do Comandante Rolim Amaro: “Se você é bilionário, compre uma companhia aérea para ficar milionário”…

Abramark – Conte para nós um pouco mais sobre seu empreendimento mais comentado no momento, o Castelo Saint Andrews, em Gramado (RS). Por que a aposta na Serra Gaúcha e com um castelo, algo tão incomum por aqui?

GP – A Serra Gaúcha e o Rio Grande do Sul como um todo parecem que se especializaram em receber bem. É uma cultura muito voltada para a hospitalidade, são muito gentis e educados. O mesmo vale para a cultura do vinho. Começamos a trabalhar isso lá atrás, nos anos 1980, levando turistas para conheceram as melhores vinícolas brasileiras. Junto com os sommeliers, explicávamos o que era um vinho branco, um vinho tinto, um rosé, um espumante. É algo já tradicional na Serra Gaúcha.

Por coincidência, tínhamos dois hotéis lá, que eu vendi com meu filho no ano passado. E apareceu uma casa, um castelo, oferecida para nós como residência mesmo. Eu tinha feito uma viagem para a Inglaterra e Escócia com a minha esposa, visitando lindos castelos.

Os antigos proprietários, donos de um curtume em Novo Hamburgo, também tinham viajado para a Inglaterra e conhecido alguns castelos. Gostaram e decidiram fazer uma réplica de um dos castelos que gostaram nessa casa, em um condomínio, em Gramado (RS).

Quando o imóvel foi oferecido para mim, eu logo pensei que poderia ser um hotel de luxo. Fizemos todas as reformas e adaptações necessárias e partimos para fazer um tipo de turismo de luxo que não tínhamos no Brasil.  Claro, temos diversos hotéis cinco estrelas, muito grandes, mas não hotéis boutique, como é visto na Europa.

E deu muito certo. Já faz 11 anos. A gente conquista o público porque somos um Relais & Châteaux, com toda a decoração desenvolvida por um arquiteto especializado que foi até Londres conhecer e se aprofundar, trouxemos lustres da República Tcheca, os talheres são de prata, os copos são importados e de cristal… É algo que não encontramos normalmente nos hotéis.

Os jardins são como jardins franceses. A vista é maravilhosa para o Vale do Quilombo. Parece muito que você está, de fato, na Europa. Além do clima, que às vezes até neva! Tudo isso, somado a uma adega reconhecida internacionalmente entre as 80 melhores do mundo, excelentes opções de charutos, croissants…

Também contratei pessoas especializadas. Na época contratei o José Eduardo Guinle, um dos mentores e responsáveis pelo sucesso do Copacabana Palace. Ele praticamente fez a implantação do hotel, com todo o requinte, luxo e atendimento diferenciado. É um hotel que tem mordomo e camareiras muito bem treinadas, falam espanhol, inglês, um desenvolvimento profissional ímpar.

Tenho um orgulho muito grande de ter feito isso no turismo brasileiro. Vemos, de cinco anos para cá, surgir outros hotéis boutique no Brasil. Na Serra Catarinense, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Ceará… É muito importante isso para o turismo brasileiro.

Mas aqui, repito, falta uma empresa aérea de bandeira para dar um fôlego ao mercado. Temos a Gol, a Azul que é multinacional, a Latam que é brasileira e chilena, mas falta uma que esteja realmente junto ao setor.

Abramark – Que conselhos ou dicas deixa para estudantes e novos(as) profissionais de marketing e empreendedores que desejam prosperar, crescer e deixar um legado?

GP Antes de tudo: você tem que amar aquilo que você faz. Os entraves sempre aparecerão, mas se você amar aquilo que você faz, realmente vai superar tudo e alcançar o sucesso. Busque sempre coisas novas, seja criativo e acredite no que está fazendo. E, o mais importante de tudo, tenha coragem!

Leia bastante, busque inspiração em pessoas que pessoas que realmente tenham histórias de sucesso, daqueles que criaram e desenvolveram coisas novas. Transpiração é muito mais importante que inspiração. Você pode estar 5% inspirado, mas 95% de tudo que você fizer está ligado à transpiração. Trabalhe duro e o sucesso estará mais próximo.

#Abramark, #Marketing, #Turismo, #MarketingdeTurismo, #CVC

Pesquisa

Pesquise abaixo conteúdos e matérias dentro da ABRAMARK

Receba notícias em primeira mão

Coloque seu email abaixo

[dinamize-form id="1318"]
Integração
Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Somos contra SPAMs e mensagens não autorizadas

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore